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Art. 148 - Erros do PL 3.267 aprovado pela câmara dos deputados, por Julyver Modesto de Araujo

De autoria do Presidente da República, o Projeto de Lei n. 3.267, de 2019, tem sido alvo de vários debates e polêmicas, pelas alterações que se pretende impor ao Código de Trânsito Brasileiro: ampliação da validade do exame de aptidão física e mental, aumento da pontuação necessária para a suspensão do direito de dirigir, alterações no exame toxicológico e nas penalidades aplicadas a determinadas infrações de trânsito são alguns dos temas estabelecidos como prioritários para o Governo federal, a ponto de solicitar regime de urgência na tramitação legislativa deste PL, o que resultou na sua aprovação, em meio à pandemia, em reunião plenária da Câmara dos Deputados.

Agora no Senado federal, aguarda a decisão do Presidente daquela casa legislativa acerca do regime de urgência, para que seja pautado e votado. Se for aprovado como se encontra, caminhará para sanção presidencial; caso contrário, terá que passar mais uma vez pela Câmara dos Deputados.

Infelizmente, no contexto geral, é de se lamentar que as modificações pretendidas não possuem como pressuposto o aumento da segurança viária, já que muitas delas, inclusive, constituirão facilidades para quem descumpre a lei e coloca as demais pessoas em risco. Trata-se, todavia, de ESCOLHAS daqueles que são eleitos para representar o povo e, portanto, pressupõe que representam a vontade popular (ou, ao menos, da maioria).

Independentemente do mérito de cada alteração proposta, tanto da forma como foi pretendida inicialmente pelo Executivo, quanto no texto substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial criada para sua análise (após centenas de Emendas apresentadas), importante que se faça também uma análise da TÉCNICA legislativa e de eventuais CONTRADIÇÕES e CONFLITOS eventualmente criados com o restante do Código de Trânsito, para que ele não se torne, ainda mais, uma colcha de retalhos, como tenho me manifestado com frequência.

Neste aspecto, infelizmente, há diversos ERROS a serem apontados, os quais, se não corrigidos, tornarão nosso CTB ainda mais cheio de falhas, dificultando a sua aplicação e a compreensão sistemática da legislação de trânsito.

Por este motivo, reuni um grupo de Profissionais de trânsito, representando 8 Estados da Federação, e preparamos um texto que foi encaminhado a todos os Senadores, a fim de ressaltar a necessidade de que sejam revistos estes artigos, no texto substitutivo aprovado pelos Deputados, conforme segue:

 

Art. 12, § 5º. Norma do Contran poderá dispor sobre o uso de sinalização horizontal ou vertical que utilize técnicas de estímulos comportamentais para a redução de acidentes de trânsito.

Comentário: A expressão “técnicas de estímulos comportamentais” é extremamente genérica e não possui parâmetros legais; ademais, o Contran já possui competência para regulamentar a sinalização de trânsito, tornando a previsão desnecessária.

 

Art. 20, XII; Art. 21, XV e Art. 24, XXII - aplicar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, quando prevista de forma específica para a infração cometida, e comunicar a aplicação da penalidade ao órgão máximo executivo de trânsito da União.

Art. 22, Parágrafo único. As competências descritas no inciso II do caput deste artigo relativas ao processo de suspensão de condutores serão exercidas quando:

I – o condutor atingir o limite de pontos estabelecido no inciso I do art. 261 deste Código;

II – a infração previr a penalidade de suspensão do direito de dirigir de forma específica e a autuação tiver sido efetuada pelo próprio órgão executivo estadual de trânsito.

Comentário: A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir pela Polícia Rodoviária Federal (art. 20), pelos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 21) e pelos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios (art. 24) causará sérios transtornos ao Sistema Nacional de Trânsito, devendo continuar como competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados, por se tratar da retirada temporária de uma licença concedida justamente por estes órgãos. Da forma como se encontra, teremos inúmeros problemas de aplicabilidade da norma, como várias suspensões aplicadas por órgãos diferentes, sem controle sistêmico e com dificuldades de cumprimento da pena imposta, mormente quanto a sanção for aplicada a condutores residentes em outros Estados. A suspensão por infração específica tenderá a ser letra morta na lei.

 

Art. 22, XVII e Art. 24, XXIII - criar, implantar e manter escolinhas de trânsito, destinadas à educação de crianças e adolescentes, por meio de aulas teóricas e práticas sobre legislação, sinalização e comportamento no trânsito.

Comentário: A expressão “escolinhas de trânsito”, além de não ter base legal, diminui a importância da educação para o trânsito, assim como despreza o já contido nos artigos 74, § 2º (Escolas Públicas de Trânsito) e 76 (promoção da educação para o trânsito em todos os níveis de ensino).

 

Art. 25-A. Os agentes dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a que se referem o inciso IV do caput do art. 51 e o inciso XIII do caput do art. 52 da Constituição Federal, respectivamente, mediante convênio com o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via, poderão lavrar auto de infração de trânsito e remetê-lo ao órgão competente, nos casos em que a infração cometida nas adjacências do Congresso Nacional ou nos locais sob sua responsabilidade comprometer objetivamente os serviços ou colocar em risco a incolumidade das pessoas ou o patrimônio das respectivas Casas Legislativas.

Parágrafo único. Para atuarem na fiscalização de trânsito, os agentes mencionados no caput deste artigo deverão receber treinamento específico para o exercício das atividades, conforme regulamentação do Contran.

Comentário: Os agentes de trânsito devem ser servidores civis que ocupam cargos ou empregos públicos específicos, estruturados em carreira, em cumprimento ao artigo 37, inciso II, e artigo 144, § 10, da Constituição Federal; além disso, há que se questionar a real necessidade de que os agentes policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal exerçam atribuições que já são exercidas por outros agentes públicos.

 

Art. 29, § 4º Em situações especiais, ato da autoridade máxima federal de segurança pública poderá dispor sobre a aplicação das exceções tratadas no inciso VII do caput deste artigo aos veículos oficiais descaracterizados.

Comentário: A possibilidade eventual de autorização, além de ser muito abstrata, é temerária ao prever que veículos oficiais descaracterizados tenham as mesmas prerrogativas de veículos de emergência devidamente identificados, não sendo possível ao cidadão identificá-los adequadamente, para cumprimento das regras estabelecidas no inciso VII.

 

Art. 56-A. É admitida a passagem de motocicletas, motonetas e ciclomotores entre veículos de faixas adjacentes no mesmo sentido da via quando o fluxo de veículos estiver parado ou lento, conforme regulamentação do Contran.

Comentário: A expressão “fluxo de veículos estiver parado ou lento” é muito genérica e sem previsão legal, dificultando o cumprimento da regra e consequente fiscalização. De igual forma, a expressão “velocidade compatível” do § 4º deste artigo.

 

Art. 106, Parágrafo único. Quando se tratar de blindagem de veículo, não será exigido qualquer outro documento ou autorização para o registro ou o licenciamento.

Comentário: Atualmente, a blindagem de veículo depende de autorização do Ministério do Exército, com a verificação de antecedentes criminais, além da necessidade de submissão à inspeção veicular, para garantia de condições de segurança. Com o texto aprovado, será possível blindar qualquer veículo, sem absolutamente nenhum critério de controle, o que impactará tanto na segurança pública quanto na segurança viária, já que a blindagem impacta nas condições estruturais do veículo. Recomenda-se, portanto, a supressão deste parágrafo único.

 

Art. 138, IV e Art. 145, III - não ter cometido mais de uma infração gravíssima nos 12 (doze) últimos meses.

Comentário: O texto aprovado altera a regra atual para condutores de veículos de transporte especializado (escolar, coletivo, produto perigoso e emergência), que é de não ter cometido, nos últimos 12 meses, nenhuma infração grave ou gravíssima, nem ser reincidente em infrações médias; entretanto, tal previsão hoje já é inócua (e, portanto, a mudança será igualmente inócua e totalmente desnecessária), tendo em vista que não há previsão de quando este requisito deve ser comprovado, já que o momento em que se verificava era por ocasião da realização do Curso especializado e isto foi revogado do CTB pela Lei n. 12.619, de 2012 (parágrafo único do artigo 145).

 

Art. 148-A, § 5º O resultado positivo no exame previsto no § 2º deste artigo acarretará a suspensão do direito de dirigir pelo período de 3 (três) meses, condicionado o levantamento da suspensão à inclusão, no Renach, de resultado negativo em novo exame, e vedada a aplicação de outras penalidades, ainda que acessórias.

Comentário: A utilização da expressão “suspensão do direito de dirigir” (que já se encontra no texto atual do CTB) causa confusão com a PENALIDADE de mesmo nome, abrindo espaço para discussão sobre a necessidade ou não de processo administrativo, nos termos do artigo 265; talvez seja suficiente apenas a previsão de infração administrativa para quem descumpre o preceito (que será criada no artigo 165-B), mas sem tal consequência jurídica; se este não for o entendimento, que se adote outra nomenclatura.

 

Art. 165-B, Parágrafo único. Incorre na mesma penalidade o condutor que exerce atividade remunerada ao veículo e não comprova a realização de exame toxicológico periódico exigido pelo § 2º do art. 148-A deste Código por ocasião da renovação do documento de habilitação nas categorias C, D ou E.

Comentário: O parágrafo único é totalmente desnecessário e redundante, tendo em vista que a infração criada no caput JÁ SE APLICA a qualquer condutor nas categorias C, D ou E, INDEPENDENTE de exercer ou não atividade remunerada.

 

Art. 211, Parágrafo único. A infração definida no caput deste artigo não se aplica à passagem realizada por motocicleta, motoneta e ciclomotor na forma prevista no art. 56-A deste Código.

Comentário: Tecnicamente, existe diferença conceitual entre ULTRAPASSAGEM e PASSAGEM; logo, se a infração do artigo 211 é para quem realiza a ultrapassagem, é lógico que não se aplica àquele que realiza apenas a passagem; destarte, a inclusão é desnecessária.

 

Art. 218, III, Penalidade - multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.

Comentário: O ajuste da redação deste artigo deve-se à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 3951), que considerou (erroneamente, segundo nosso entendimento), como constitucional a expressão que hoje se encontra no CTB, de suspensão IMEDIATA do direito de dirigir, na infração de excesso de velocidade acima de 50%. Apesar da correção, faltou incluir a medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, que é comum às demais infrações que preveem a penalidade de suspensão, como consequência correlata.

 

Art. 233-A. Deixar de encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal o comprovante de transferência de propriedade, no prazo de 60 (sessenta) dias, conforme o disposto no art. 134, depois de expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código:

Infração – leve;

Penalidade – multa.

Comentário: A infração ora criada pretende penalizar o proprietário ANTERIOR, aplicando multa ao veículo que JÁ FOI VENDIDO, fazendo com que o novo proprietário seja punido 2 vezes pelo mesmo motivo: uma por não ter feito a transferência em 30 dias (infração do artigo 233) e outra porque o ex-proprietário não informou ao órgão de trânsito que vendeu.

 

Art. 259, § 4º Ao condutor identificado será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257 deste Código, exceto aquelas:

I – praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excluídas as situações regulamentadas pelo Contran conforme disposto no art. 65 deste Código;

II – previstas no art. 221, nos incisos VII e XXI do art. 230 e nos arts. 232, 233, 233-A, 240 e 241 deste Código, sem prejuízo da aplicação das penalidades e medidas administrativas cabíveis;

III – puníveis de forma específica com suspensão do direito de dirigir.

Comentário: O § 4º do artigo 259 foi incluído pela Lei n. 13.103, de 2015, e é de uma redação PÉSSIMA, sendo necessário um esforço hercúleo para entender sua aplicabilidade – por se referir ao artigo 65 (que trata da obrigatoriedade do uso do cinto de segurança), dá-se a entender que significa o seguinte: “quando um ônibus for autuado pelo não uso do cinto de segurança pelo passageiro, o motorista não deve sofrer pontuação em seu prontuário” – há a necessidade URGENTE de correção deste texto.

Em relação ao inciso II, o erro consiste no fato de que TODAS as infrações mencionadas JÁ NÃO pontuam o condutor mesmo, por serem de responsabilidade do proprietário, nos termos do artigo 257 do CTB e da Portaria Denatran n. 03, de 2016, o que o torna desnecessário; ademais, ao não incluir outras infrações, igualmente de responsabilidade do proprietário, o texto causará confusão em relação àquelas (pois, se também não pontuam, não há justificativa para serem ignoradas, como, por exemplo, falta de placas, sem licenciamento ou placas ilegíveis, dentre várias outras).

Quanto ao inciso III, a previsão não traz qualquer novidade, pois já é o que ocorre hoje na prática, conforme regulamentação do Contran (Resolução n. 723, de 2018).

 

Art. 261, § 5º No caso do condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, a penalidade de suspensão do direito de dirigir de que trata o caput deste artigo será imposta quando o infrator atingir o limite de pontos previsto na alínea c do inciso I do caput deste artigo, independentemente da natureza das infrações cometidas, facultado a ele participar de curso preventivo de reciclagem sempre que, no período de 12 (doze) meses, atingir 30 (trinta) pontos, conforme regulamentação do Contran.

Comentário: Atualmente, a condição de “exercer atividade remunerada” é atestada, tão somente, por declaração do interessado no momento da obtenção ou renovação da CNH. Com a facilidade criada, estima-se que haverá um aumento de pessoas que se declararão nesta condição, apenas para aproveitar da benesse, havendo a necessidade de uma limitação mais rigorosa para comprovação da atividade remunerada.

 

Art. 267. Deverá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos 12 (doze) meses.

Comentário: Ao substituir a palavra “Poderá” (do atual CTB) por “Deverá” e retirar, ao final do dispositivo legal, a necessidade de verificação do prontuário do condutor, o texto aprovado obrigará que TODAS as infrações de natureza leve ou média cometidas pela 1ª vez em um mesmo ano (num total de 111 infrações) sejam apenas alvo de advertência por escrito, em vez da multa, criando somente ônus aos órgãos de trânsito e invertendo a prioridade do Sistema Nacional de Trânsito, que é a garantia da segurança viária, já que muitas pessoas deixarão de ser punidas pelos seus atos, ainda que sejam infratores contumazes. Recomenda-se, portanto, a substituição do critério de reincidência específica, para aplicar a advertência por escrito apenas àquele infrator que “não cometeu nenhuma infração nos últimos 12 (doze) meses”.

 

Art. 3º As luzes de rodagem diurna, de que trata o inciso VIII do caput do art. 105 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), serão incorporadas progressivamente aos novos veículos automotores, fabricados no País ou importados, na forma e nos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

Comentário: O texto do artigo 3º da Lei que se pretende aprovar deveria ser incorporado como parágrafo do artigo 105 do CTB, tendo em vista que, ao estabelecer a necessidade de um cronograma, necessita estar na mesma norma que passa a obrigar as luzes de rodagem diurna como equipamento obrigatório; caso contrário, quem ler apenas o CTB, pós-alteração, tenderá a imaginar que o DRL é obrigatório para todos e não apenas para os veículos mais novos.

 

 

São Paulo, 26 de junho de 2020.

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

 

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