Art. 280 - Novas regras para a fiscalização de velocidade - Comentários sobre a Lei nº 11.334-06, por Julyver Modesto de Araujo
No dia 26/07/06, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 11.334/06, que alterou o artigo 218 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), estabelecendo novos critérios para a fiscalização de velocidade nas vias públicas.
Assim dispunha o artigo 218 anteriormente a sua alteração:
Art. 218. Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil:
I – em rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais:
a) quando a velocidade for superior à máxima em até vinte por cento:
Infração – grave.
Penalidade – multa.
b) quando a velocidade for superior à máxima em mais de vinte por cento:
Infração – gravíssima.
Penalidade – multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.
I – em rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais:
a) quando a velocidade for superior à máxima em até vinte por cento:
Infração – grave.
Penalidade – multa.
b) quando a velocidade for superior à máxima em mais de vinte por cento:
Infração – gravíssima.
Penalidade – multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.
II – demais vias:
a) quando a velocidade for superior à máxima em até cinqüenta por cento:
Infração – grave.
Penalidade – multa.
b) quando a velocidade for superior à máxima em mais de cinqüenta por cento:
Infração – gravíssima.
Penalidade – multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação.
a) quando a velocidade for superior à máxima em até cinqüenta por cento:
Infração – grave.
Penalidade – multa.
b) quando a velocidade for superior à máxima em mais de cinqüenta por cento:
Infração – gravíssima.
Penalidade – multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação.
Com a Lei nº 11.334/06, o artigo 218 do CTB passou a ter a seguinte redação:
Art. 218. Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias:
I – quando a velocidade for superior à máxima em até 20% (vinte por cento):
Infração – média;
Penalidade – multa;
II – quando a velocidade for superior à máxima em mais de 20% (vinte por cento) até 50% (cinqüenta por cento):
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Infração – grave;
Penalidade – multa;
III – quando a velocidade for superior à máxima em mais de 50% (cinqüenta por cento):
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa [3 (três) vezes], suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação.
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa [3 (três) vezes], suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação.
A primeira crítica quanto à técnica legislativa fica por conta da redação do caput do artigo 218, que começa enumerando as vias às quais se aplica o dispositivo, para, ao final, alcançar todas as vias, não havendo necessidade, portanto de enumeração, bastando ter encerrado o período na palavra “hábil”.
Não obstante tal impropriedade, é de se ressaltar a mudança positiva, em se estabelecer as mesmas regras para a fiscalização de velocidade, independente do tipo de via em que o condutor se encontra. Isto porque, apesar da classificação das vias públicas estar prevista no artigo 60 do CTB, bem como seus conceitos estarem delineados no Anexo I, não é tarefa das mais fáceis estabelecer, em determinadas situações, se uma via é arterial ou coletora, por exemplo.
Esta dificuldade acarretava um sério desdobramento, pois se o órgão de trânsito classificasse a via como arterial (em vez de coletora), a mudança de infração grave para gravíssima (com valor da multa multiplicado por três) ocorreria aos 20% de excesso e não aos 50%.
Além disso, como o § 2º do artigo 61 do CTB autoriza que o órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário com circunscrição sobre a via regulamente, por meio de sinalização, velocidades superiores ou inferiores aos estabelecidos no próprio Código (§ 1º daquele artigo), a redação anterior do artigo 218 propiciava um tratamento diferenciado para o excesso de velocidade, ou seja, para um limite de velocidade de 40 km/h, estando o condutor em uma via coletora, por exemplo, a infração seria mais gravosa (incidindo também a suspensão do direito de dirigir), apenas após os 60 km/h (equivalentes a 50% de excesso e desconsiderando-se o erro máximo admissível do equipamento medidor); enquanto que se ele estivesse em uma rodovia, tal mudança ocorreria já aos 48 km/h (equivalente a 20%). Diante dessa comparação, é de se verificar que a lei punia com mais rigor um veículo a 50 km/h, em uma rodovia, do que em frente a uma escola (se ambos os locais estivessem com um limite de 40 km/h).
Diante destas incongruências proporcionadas pela lei, que só foram percebidas na prática da fiscalização eletrônica de velocidade, o tratamento igualitário para o excesso de velocidade representou um avanço mais justo para a punição dos eventuais infratores.
Quanto ao escalonamento de gravidade das infrações, proposto pela lei sob análise, entendo inadequado classificar como infração média o excesso de velocidade, ainda que até 20% acima do limite, posto que o abrandamento da fiscalização está na contramão do que se pretendeu nos últimos anos, coibindo-se um dos maiores causadores de acidentes de trânsito, que é, justamente, o excesso de velocidade.
Assim, vejo que o melhor seria estabelecer a gradação, a partir da infração de natureza grave, ou seja, para o inciso I, infração grave; para o II, gravíssima e para o III, gravíssima vezes 3.
Outra necessária crítica às mudanças impostas recai sobre as penalidades estabelecidas no inciso III do artigo 218, tendo em vista que o artigo 256 do CTB, que relaciona as penalidades a serem aplicadas em decorrência das infrações de trânsito não contempla as penalidades de suspensão IMEDIATA do direito de dirigir, nem tampouco de APREENSÃO do documento de habilitação.
Além da dissonância do texto legal, outras considerações são imprescindíveis, já que a maneira como foi proposta dá a entender que, ao ser flagrado em excesso de velocidade, acima de 50% do limite estabelecido, o condutor teria imediatamente recolhido seu documento de habilitação e, dali por diante, não poderia continuar dirigindo veículo automotor, o que não ocorrerá pelas razões a seguir expostas:
A suspensão do direito de dirigir não pode ser imediata, primeiro porque, por se tratar de penalidade, nos termos do artigo 256, deve ser aplicada, exclusivamente, pela autoridade de trânsito (neste caso, dirigente máximo do órgão ou entidade executivo de trânsito estadual, ou pessoa por ele expressamente credenciada) e não pelo seu agente, o que, por si só, descaracterizaria o imediatismo imaginado pelo legislador; segundo, porque o artigo 265 do CTB (que não foi alterado pela Lei nº 11.334/06) estabelece que “As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa” e, ainda que o Código de Trânsito fosse omisso quanto ao necessário processo de suspensão, há que se atentar ao dispositivo constitucional consagrado no artigo 5º, inciso LV, da CF/88 (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”).
Quanto à “apreensão” do documento de habilitação, além de utilizar a expressão equivocada, já que o artigo 269 do CTB faz menção ao “recolhimento” e não à “apreensão”, colocou o legislador tal providência como se fosse classificada como penalidade, quando, na verdade, trata-se de medida administrativa, o que possui reflexo prático em sua aplicação, já que, da leitura dos artigos 256 e 269 do Código, depreende-se que, enquanto as penalidades são aplicadas apenas pela autoridade de trânsito, as medidas administrativas é que podem ser aplicadas pela autoridade e seus agentes, na esfera de suas competências.
Não obstante tais comentários, registre-se que, nos termos propostos pela atual legislação, os casos de suspensão do direito de dirigir por excesso de velocidade serão bem menos constantes que os atuais, sendo quase inaplicáveis nas vias com limites maiores de velocidade, pois, em uma rodovia, com limite estabelecido de 120 km/h, por exemplo, o condutor somente estará sujeito à suspensão após os 180 km/h (sem contar o erro máximo admissível do equipamento, que é adotado como tolerância na aplicação da penalidade).
A data de vigência da lei constitui outro aspecto que merece discussão, considerando-se que não há vacatio legis, ou seja, período entre a publicação da lei e sua entrada em vigor, já que o artigo 2º da Lei nº 11.334 prevê a sua validade a partir da publicação, que ocorreu em 26/07/06. Assim, há que se analisar a aplicabilidade ou não das novas regras para as infrações de velocidade cometidas ou notificadas antes da data em questão.
Sobre o assunto, minha opinião, contrária ao entendimento de outros que já se posicionaram a respeito, é a de que não se aplica, a todos os casos, a retroatividade da lei em benefício do infrator, já que o dispositivo constitucional que versa sobre o assunto prevê que “a lei PENAL não retroagirá, salvo para beneficiar o RÉU (grifei)” (artigo 5º, inciso XL, da CF/88) e, no caso sob análise, não se trata de lei penal (muito embora a multa tenha caráter de sanção), bem como não é possível entender o infrator de trânsito como réu (expressão aplicável no Direito Penal e, ainda assim, àquele que se encontra na fase processual do crime que lhe é imputado).
No Direito administrativo (ramo do Direito público do qual se extraem os princípios básicos aplicáveis à legislação de trânsito), é certo que vige o princípio da legalidade estrita, segundo o qual o administrador deve restrita obediência ao texto de lei vigente à época em que o ato administrativo foi executado, sendo vedado à lei prejudicar o ato jurídico perfeito, conforme artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/88 e artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42 (Lei de introdução ao Código Civil).
Importante, neste aspecto, diferenciar o processo penal do processo administrativo, pois, enquanto naquele, o juiz, efetivamente, é quem aplica a sentença diante de um caso concreto, podendo, via de conseqüência, aplicar uma pena mais branda, se a atual lei estabelecer a punição mais benéfica para aquela conduta analisada (ainda que tenha sido praticada em data anterior à vigência da lei), no processo administrativo de trânsito, a aplicação da penalidade se dá no momento em que a autoridade de trânsito expede a sua devida notificação (nos termos do artigo 282 do CTB), não havendo a possibilidade, em sede de recurso administrativo, de se alterar a punição legalmente imposta pela autoridade competente; ou seja, os julgadores de recursos administrativos de trânsito, seja em primeira ou segunda instâncias, não podem alterar a penalidade recorrida, mas devem apenas verificar se as formalidades legais foram obedecidas e se as alegações de mérito justificam ou demonstram o não cometimento da infração de trânsito impugnada.
Feitas tais considerações, vejamos o que dispõe o § 1º do artigo 6º da Lei de introdução ao Código Civil, segundo o qual ato jurídico perfeito é aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Analisando-se a aplicação das penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir, previstas no artigo 218, e sob o contexto legal apresentado, é de se concluir que a consumação de tal ato jurídico se dá com a efetiva aplicação da penalidade, isto é, com a expedição de notificação ao infrator.
Desta forma, entendemos que para as infrações cometidas antes de 26/07/06, mas para as quais ainda não tenham sido aplicadas as correspondentes penalidades, deve a autoridade de trânsito, na esfera de suas competências, aplicar as penas conforme a redação atual do artigo 218, ainda que o auto de infração e a eventual notificação da autuação tenham registrado o dispositivo anterior do CTB. Neste caso, aplica-se a retroatividade da lei para fatos ocorridos antes de sua vigência, tendo em vista que o ato jurídico de aplicação da penalidade ainda não se encontrava plenamente consumado.
Por outro lado, e seguindo a mesma linha de raciocínio, não é possível alterar, em sede de recurso, PENALIDADES APLICADAS em data anterior à Lei nº 11.334/06, seja de multa ou de suspensão do direito de dirigir.
Este entendimento foi apresentado em reunião do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo, no último dia 28/07/06, resultando na edição do Comunicado CETRAN/SP nº 04/06, publicado no Diário Oficial do Estado nº 143, de 29/07/06, nos seguintes termos:
Não obstante tal impropriedade, é de se ressaltar a mudança positiva, em se estabelecer as mesmas regras para a fiscalização de velocidade, independente do tipo de via em que o condutor se encontra. Isto porque, apesar da classificação das vias públicas estar prevista no artigo 60 do CTB, bem como seus conceitos estarem delineados no Anexo I, não é tarefa das mais fáceis estabelecer, em determinadas situações, se uma via é arterial ou coletora, por exemplo.
Esta dificuldade acarretava um sério desdobramento, pois se o órgão de trânsito classificasse a via como arterial (em vez de coletora), a mudança de infração grave para gravíssima (com valor da multa multiplicado por três) ocorreria aos 20% de excesso e não aos 50%.
Além disso, como o § 2º do artigo 61 do CTB autoriza que o órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário com circunscrição sobre a via regulamente, por meio de sinalização, velocidades superiores ou inferiores aos estabelecidos no próprio Código (§ 1º daquele artigo), a redação anterior do artigo 218 propiciava um tratamento diferenciado para o excesso de velocidade, ou seja, para um limite de velocidade de 40 km/h, estando o condutor em uma via coletora, por exemplo, a infração seria mais gravosa (incidindo também a suspensão do direito de dirigir), apenas após os 60 km/h (equivalentes a 50% de excesso e desconsiderando-se o erro máximo admissível do equipamento medidor); enquanto que se ele estivesse em uma rodovia, tal mudança ocorreria já aos 48 km/h (equivalente a 20%). Diante dessa comparação, é de se verificar que a lei punia com mais rigor um veículo a 50 km/h, em uma rodovia, do que em frente a uma escola (se ambos os locais estivessem com um limite de 40 km/h).
Diante destas incongruências proporcionadas pela lei, que só foram percebidas na prática da fiscalização eletrônica de velocidade, o tratamento igualitário para o excesso de velocidade representou um avanço mais justo para a punição dos eventuais infratores.
Quanto ao escalonamento de gravidade das infrações, proposto pela lei sob análise, entendo inadequado classificar como infração média o excesso de velocidade, ainda que até 20% acima do limite, posto que o abrandamento da fiscalização está na contramão do que se pretendeu nos últimos anos, coibindo-se um dos maiores causadores de acidentes de trânsito, que é, justamente, o excesso de velocidade.
Assim, vejo que o melhor seria estabelecer a gradação, a partir da infração de natureza grave, ou seja, para o inciso I, infração grave; para o II, gravíssima e para o III, gravíssima vezes 3.
Outra necessária crítica às mudanças impostas recai sobre as penalidades estabelecidas no inciso III do artigo 218, tendo em vista que o artigo 256 do CTB, que relaciona as penalidades a serem aplicadas em decorrência das infrações de trânsito não contempla as penalidades de suspensão IMEDIATA do direito de dirigir, nem tampouco de APREENSÃO do documento de habilitação.
Além da dissonância do texto legal, outras considerações são imprescindíveis, já que a maneira como foi proposta dá a entender que, ao ser flagrado em excesso de velocidade, acima de 50% do limite estabelecido, o condutor teria imediatamente recolhido seu documento de habilitação e, dali por diante, não poderia continuar dirigindo veículo automotor, o que não ocorrerá pelas razões a seguir expostas:
A suspensão do direito de dirigir não pode ser imediata, primeiro porque, por se tratar de penalidade, nos termos do artigo 256, deve ser aplicada, exclusivamente, pela autoridade de trânsito (neste caso, dirigente máximo do órgão ou entidade executivo de trânsito estadual, ou pessoa por ele expressamente credenciada) e não pelo seu agente, o que, por si só, descaracterizaria o imediatismo imaginado pelo legislador; segundo, porque o artigo 265 do CTB (que não foi alterado pela Lei nº 11.334/06) estabelece que “As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa” e, ainda que o Código de Trânsito fosse omisso quanto ao necessário processo de suspensão, há que se atentar ao dispositivo constitucional consagrado no artigo 5º, inciso LV, da CF/88 (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”).
Quanto à “apreensão” do documento de habilitação, além de utilizar a expressão equivocada, já que o artigo 269 do CTB faz menção ao “recolhimento” e não à “apreensão”, colocou o legislador tal providência como se fosse classificada como penalidade, quando, na verdade, trata-se de medida administrativa, o que possui reflexo prático em sua aplicação, já que, da leitura dos artigos 256 e 269 do Código, depreende-se que, enquanto as penalidades são aplicadas apenas pela autoridade de trânsito, as medidas administrativas é que podem ser aplicadas pela autoridade e seus agentes, na esfera de suas competências.
Não obstante tais comentários, registre-se que, nos termos propostos pela atual legislação, os casos de suspensão do direito de dirigir por excesso de velocidade serão bem menos constantes que os atuais, sendo quase inaplicáveis nas vias com limites maiores de velocidade, pois, em uma rodovia, com limite estabelecido de 120 km/h, por exemplo, o condutor somente estará sujeito à suspensão após os 180 km/h (sem contar o erro máximo admissível do equipamento, que é adotado como tolerância na aplicação da penalidade).
A data de vigência da lei constitui outro aspecto que merece discussão, considerando-se que não há vacatio legis, ou seja, período entre a publicação da lei e sua entrada em vigor, já que o artigo 2º da Lei nº 11.334 prevê a sua validade a partir da publicação, que ocorreu em 26/07/06. Assim, há que se analisar a aplicabilidade ou não das novas regras para as infrações de velocidade cometidas ou notificadas antes da data em questão.
Sobre o assunto, minha opinião, contrária ao entendimento de outros que já se posicionaram a respeito, é a de que não se aplica, a todos os casos, a retroatividade da lei em benefício do infrator, já que o dispositivo constitucional que versa sobre o assunto prevê que “a lei PENAL não retroagirá, salvo para beneficiar o RÉU (grifei)” (artigo 5º, inciso XL, da CF/88) e, no caso sob análise, não se trata de lei penal (muito embora a multa tenha caráter de sanção), bem como não é possível entender o infrator de trânsito como réu (expressão aplicável no Direito Penal e, ainda assim, àquele que se encontra na fase processual do crime que lhe é imputado).
No Direito administrativo (ramo do Direito público do qual se extraem os princípios básicos aplicáveis à legislação de trânsito), é certo que vige o princípio da legalidade estrita, segundo o qual o administrador deve restrita obediência ao texto de lei vigente à época em que o ato administrativo foi executado, sendo vedado à lei prejudicar o ato jurídico perfeito, conforme artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/88 e artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42 (Lei de introdução ao Código Civil).
Importante, neste aspecto, diferenciar o processo penal do processo administrativo, pois, enquanto naquele, o juiz, efetivamente, é quem aplica a sentença diante de um caso concreto, podendo, via de conseqüência, aplicar uma pena mais branda, se a atual lei estabelecer a punição mais benéfica para aquela conduta analisada (ainda que tenha sido praticada em data anterior à vigência da lei), no processo administrativo de trânsito, a aplicação da penalidade se dá no momento em que a autoridade de trânsito expede a sua devida notificação (nos termos do artigo 282 do CTB), não havendo a possibilidade, em sede de recurso administrativo, de se alterar a punição legalmente imposta pela autoridade competente; ou seja, os julgadores de recursos administrativos de trânsito, seja em primeira ou segunda instâncias, não podem alterar a penalidade recorrida, mas devem apenas verificar se as formalidades legais foram obedecidas e se as alegações de mérito justificam ou demonstram o não cometimento da infração de trânsito impugnada.
Feitas tais considerações, vejamos o que dispõe o § 1º do artigo 6º da Lei de introdução ao Código Civil, segundo o qual ato jurídico perfeito é aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Analisando-se a aplicação das penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir, previstas no artigo 218, e sob o contexto legal apresentado, é de se concluir que a consumação de tal ato jurídico se dá com a efetiva aplicação da penalidade, isto é, com a expedição de notificação ao infrator.
Desta forma, entendemos que para as infrações cometidas antes de 26/07/06, mas para as quais ainda não tenham sido aplicadas as correspondentes penalidades, deve a autoridade de trânsito, na esfera de suas competências, aplicar as penas conforme a redação atual do artigo 218, ainda que o auto de infração e a eventual notificação da autuação tenham registrado o dispositivo anterior do CTB. Neste caso, aplica-se a retroatividade da lei para fatos ocorridos antes de sua vigência, tendo em vista que o ato jurídico de aplicação da penalidade ainda não se encontrava plenamente consumado.
Por outro lado, e seguindo a mesma linha de raciocínio, não é possível alterar, em sede de recurso, PENALIDADES APLICADAS em data anterior à Lei nº 11.334/06, seja de multa ou de suspensão do direito de dirigir.
Este entendimento foi apresentado em reunião do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo, no último dia 28/07/06, resultando na edição do Comunicado CETRAN/SP nº 04/06, publicado no Diário Oficial do Estado nº 143, de 29/07/06, nos seguintes termos:
COMUNICADO CETRAN/SP Nº 04/06
O Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo, no exercício de suas atribuições, em especial as estabelecidas nos incisos I e II do artigo 14 do Código de Trânsito Brasileiro,
CONSIDERANDO a edição da Lei nº 11.334/06, que alterou o artigo 218 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e entrou em vigor na data de sua publicação (26/07/06);
CONSIDERANDO a necessidade de padronizar os procedimentos para aplicação das penalidades por infrações de trânsito de excesso de velocidade, nos termos da redação atual do artigo 218;
CONSIDERANDO que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme prevê o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal e o artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil) e,
CONSIDERANDO que as penalidades aplicadas em razão do artigo 218, na sua redação anterior, até a data de sua alteração, constituem atos jurídicos perfeitos, não havendo que se falar em retroatividade da lei para mudança da penalidade já imposta.
CONSIDERANDO o que ficou decidido nesta Sessão Extraordinária, comunica aos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários as seguintes orientações:
CONSIDERANDO a edição da Lei nº 11.334/06, que alterou o artigo 218 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e entrou em vigor na data de sua publicação (26/07/06);
CONSIDERANDO a necessidade de padronizar os procedimentos para aplicação das penalidades por infrações de trânsito de excesso de velocidade, nos termos da redação atual do artigo 218;
CONSIDERANDO que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme prevê o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal e o artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil) e,
CONSIDERANDO que as penalidades aplicadas em razão do artigo 218, na sua redação anterior, até a data de sua alteração, constituem atos jurídicos perfeitos, não havendo que se falar em retroatividade da lei para mudança da penalidade já imposta.
CONSIDERANDO o que ficou decidido nesta Sessão Extraordinária, comunica aos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários as seguintes orientações:
Artigo 1º. As penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir aplicadas ATÉ O DIA 25/07/06, INCLUSIVE, com base na redação anterior do artigo 218 do CTB, cujas notificações de penalidades já tenham sido expedidas, devem ser mantidas para todos os efeitos, não se aplicando a alteração legislativa.
Artigo 2º. As infrações de trânsito por excesso de velocidade cometidas EM DATA ANTERIOR A 26/07/06 e para as quais ainda não tenham sido emitidas as correspondentes notificações das penalidades (independente da emissão das notificações das autuações), devem ser apenadas conforme a atual redação do artigo 218, pois, ao aplicar a penalidade cabível, nos termos do artigo 281, não poderá a autoridade de trânsito basear-se em artigo de lei já alterado.
Artigo 3º. Para as infrações de trânsito por excesso de velocidade cometidas A PARTIR DE 26/07/06, INCLUSIVE, o auto de infração, a notificação da autuação e a notificação da penalidade devem conter, como tipificação da infração, a indicação dos atuais dispositivos legais, bem como as correspondentes descrições, dividindo-se o artigo 218 em incisos I, II e III e não mais incisos I, “a” e “b” e II, “a” e “b”.
Artigo 4º. Até que o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN estabeleça novos códigos de enquadramento, bem como revise a tabela de valores referenciais de velocidade, para fins de aplicação das penalidades, prevista na Resolução do CONTRAN nº 146/03, devem os órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários adotar os seguintes procedimentos:
§ 1º. Ao tipificar a infração, mencionar apenas o artigo do CTB, acompanhado da descrição da infração, obedecendo-se ao disposto no artigo 280, inciso I, do CTB;
§ 2º. Adotar nova tabela de valores referenciais, nos mesmos moldes determinados pela Resolução do CONTRAN nº 146/03, mas atendendo-se ao atual escalonamento previsto.
Artigo 5º. Embora o artigo 218, III, do CTB, com a alteração da Lei nº 11.334/06, preveja as penalidades de suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação (sic) e considerando a inexistência de tais penalidades no artigo 256, devem as autoridades de trânsito e seus agentes, na esfera de suas competências, atentar para o seguinte:
§ 1º. A suspensão do direito de dirigir NÃO DEVE SER IMEDIATA, por atentar contra o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV da CF/88, devendo-se observar o disposto nos artigos 261 e 265 do CTB, bem como na Resolução do CONTRAN nº 182/05.
§ 2º. A medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, prevista no artigo 269, incisos III e IV (erroneamente tratada pela Lei nº 11.334/06 como penalidade de apreensão do documento de habilitação) NÃO DEVE SER ADOTADA no momento da fiscalização de trânsito, ratificando-se o posicionamento já firmado por este Conselho, por meio das Deliberações 04/98 e 199/00.
Em relação ao artigo 4º do Comunicado acima reproduzido, cumpre-nos informar, finalmente, que o Conselho Nacional de Trânsito estabeleceu novos códigos de enquadramento, bem como nova tabela de valores referenciais de velocidade, por meio da Deliberação CONTRAN nº 51/06, publicada no Diário Oficial da União nº 146, de 01/08/06.
São Paulo, 01 de agosto de 2006.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tendo realizado diversas atividades relacionadas ao policiamento de trânsito, de 1996 a 2008, entre elas Conselheiro do CETRAN/SP, de 2003 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT – Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br) e Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org). Autor de livros e artigos sobre trânsito.