Art. 111 - Utilização de películas nos vidros dos veículos - O que mudou, por Julyver Modesto de Araujo
O Diário Oficial da União de 21/11/07 publicou três novas Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, de nº 253, 254 e 255, sendo a última delas apenas retificadora da Resolução nº 221/07, que estabelece requisitos de proteção aos ocupantes e integridade do sistema de combustível decorrente de impacto nos veículos. Já as Resoluções nº 253/07 e 254/07 versam sobre um assunto que é sempre motivo de questionamentos e dúvidas, representando, pelo aspecto visual, verdadeira moda automotiva, e sendo, para alguns, sinônimo de segurança para os ocupantes dos veículos: o famoso insulfilm, nome comercial mais conhecido das películas de proteção dos raios solares.
Sem entrar no mérito da (real) utilidade das películas ou das dificuldades geradas pela diminuição da visibilidade dentro (e através) dos veículos que as utilizam, pretendemos expor as questões legais relacionadas ao tema, evidenciando as mudanças ocorridas com as Resoluções recém-publicadas.
Se observarmos, única e exclusivamente, o artigo do Código de Trânsito Brasileiro que versa sobre a infração de trânsito, teremos uma primeira impressão de que a utilização de películas é totalmente proibida, pois a infração, de natureza grave, consignada no artigo 230, inciso XVI, é tipificada com a seguinte redação: “Conduzir o veículo com vidros total ou parcialmente cobertos por películas refletivas ou não, painéis decorativos ou pinturas”, não prevendo qualquer tipo de exceção; a explicação para essa aparente proibição irrestrita decorre do fato de que o projeto de lei encaminhado à apreciação do Poder Executivo, que resultou na Lei nº 9.503/97 (CTB) realmente tinha tal objetivo, ou seja, de proibir a utilização de películas, tendo sido estabelecido, no artigo 111, inciso I, a seguinte norma: “É vedado, nas áreas envidraçadas do veículo ... a aposição de inscrições, películas refletivas ou não, adesivos, painéis decorativos ou pinturas, salvo as de caráter técnico necessárias ao funcionamento do veículo”, o que foi vetado pelo Presidente da República, sob a argumentação de que “a proibição total de uso de quaisquer adesivos não parece condizente com qualquer noção de razoabilidade”.
O fato é que, sem alteração da redação do artigo 230, inciso XVI, o artigo 111 acabou recebendo um terceiro inciso, por meio da Lei nº 9.602/98, resultando na seguinte regra: “É vedado, nas áreas envidraçadas do veículo... aposição de inscrições, películas refletivas ou não, painéis decorativos ou pinturas, quando comprometer a segurança do veículo, NA FORMA DE REGULAMENTAÇÃO DO CONTRAN”, o que propiciou a edição de norma infralegal que regulasse a matéria, a exemplo do que já ocorria até a entrada em vigor do atual Código de Trânsito.
Com esta retrospectiva legislativa, fica latente a necessidade de interpretação sistemática da legislação de trânsito, não sendo possível analisar as infrações de trânsito apenas pelo Capítulo específico do CTB, mas salutar a sua complementação com outras normas gerais de relevância, ou seja, as normas secundárias (infrações) dependem das normas primárias (regras gerais), para que o seu sentido fique completo (o que, em Direito, podemos denominar relação entre as endonormas e as perinormas, como preferem alguns).
Na situação em apreço, muito embora a descrição da infração de trânsito deixe a entender que a utilização de películas é totalmente proibida, só estarão efetivamente errados os casos em que não for obedecida a regulamentação específica.
Assim e considerando, pois, a competência normativa do CONTRAN, editou-se a Resolução nº 254/07, que passou a integrar, na mesma norma, duas outras Resoluções até então existentes: a de nº 784/94, que regulamentava o uso e estabelecia requisitos para os vidros de segurança dos veículos e a de nº 73/98, que estabelecia critérios para aposição de inscrições, painéis decorativos e películas não refletivas nas áreas envidraçadas dos veículos, as quais foram definitivamente revogadas, passando a vigorar a nova Resolução a partir da data de sua publicação (21/11/07).
Quando tratamos da competência do CONTRAN, como órgão máximo normativo do Sistema Nacional de Trânsito, importante ressaltar o disposto no artigo 12, inciso I, do CTB, segundo o qual “Compete ao CONTRAN ... estabelecer as normas regulamentares referidas neste Código...”; portanto, se, de um lado, a aposição de películas nos vidros dos veículos pode ser regulamentada pelo Conselho, por força da permissividade legal do artigo 111, inciso III, acima mencionado, por outro lado, os requisitos para os vidros de segurança constituem assunto passível de regulamentação, tanto pelo artigo 103 (“O veículo só poderá transitar pela via quando atendidos os requisitos e condições de segurança estabelecidos neste Código e em normas do CONTRAN”), quanto pela necessidade de se estabelecer os equipamentos obrigatórios dos veículos, conforme artigo 105 (“São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN...”); aliás, somente é possível exigir os vidros de segurança como equipamentos obrigatórios dos veículos, por conta da previsão em Resolução do CONTRAN, porque o Código, por si só, é omisso em tal exigência.
Quanto aos limites mínimos de transmissão luminosa (expressão que é utilizada indistintamente pelo CONTRAN, como sinônimo de transparência e de transmitância luminosa) do conjunto vidro/película, a partir de agora, passam a ser os mesmos dos próprios vidros, diminuindo-se, em alguns casos, o padrão até então existente:
- Nos para-brisas, manteve-se o limite mínimo de 75% para os vidros incolores e de 70% para os vidros coloridos (excluídas as áreas que não interferem na dirigibilidade do veículo, que podem ser mais escuras, atendido o limite mínimo de 28% de transmissão luminosa – no para-brisa, tais áreas são determinadas pela faixa periférica de serigrafia destinada a dar acabamento ao vidro e a área ocupada pela banda degrade, caso existente);
- Nos vidros laterais dianteiros, manteve-se o limite mínimo de 70 %;
- Nos vidros laterais traseiros e traseiro, diminuiu-se o limite mínimo de 50%, para 28%, ou seja, tais áreas envidraçadas podem ser mais escuras do que o atualmente exigido, não importa se diretamente de fabricação do vidro ou em decorrência da utilização de película não refletiva.
A exemplo da Resolução anterior são permitidas apenas películas NÃO REFLETIVAS (se, na vigência da Res. 73/98, a película REFLETIVA era proibida por não estar regulamentada, agora a proibição é expressa, conforme o artigo 8º da Res. 254/07).
A aposição de películas em vidros coloridos, antes proibida pelo artigo 3º, § 4º, da Resolução nº 784/94, não encontra restrição na atual regulamentação, devendo, portanto, obedecer aos mesmos parâmetros que se exigem dos vidros comuns.
Igualmente se exige, como já ocorria, que o veículo que possui películas no vidro traseiro tenha espelhos retrovisores externos de ambos os lados (exigência que, como regra geral, aplica-se apenas aos veículos produzidos a partir de janeiro de 1999, conforme artigo 6º, inciso I, da Resolução do CONTRAN nº 14/98).
Em relação à verificação dos índices de transmissão luminosa estabelecidos na Resolução em comento, prevê o seu artigo 10, que deve ser realizada na forma regulamentada pelo CONTRAN, mediante utilização de instrumento aprovado pelo INMETRO e homologado pelo DENATRAN, o que consta justamente da outra Resolução comentada no início deste texto, de nº 253/07, a qual prevê, no parágrafo único do artigo 1º, que “Medidor de transmitância luminosa é o instrumento de medição destinado a medir, em valores percentuais, a transmitância luminosa de vidros, películas, filmes e outros materiais simples ou compostos”.
A regulamentação do equipamento a ser utilizado para comprovação de infração de trânsito decorre, aliás, do imperativo legal determinado pelo artigo 280, § 2º, do CTB, o que já era necessário há tempos, em relação à constatação dos índices das películas, já que a mera verificação visual não era suficiente para contestar a chancela aposta pelo próprio instalador da película, que era exigida na Resolução anterior; entretanto, existem situações que são passíveis de serem punidas, independente da utilização do equipamento, quando ocorrer o descumprimento de qualquer das regras estabelecidas.
A respeito da chancela, por exemplo, consignamos que continua sendo OBRIGATÓRIA, mas APENAS no para-brisa e vidros laterais dianteiros, tendo em vista que estas são as áreas indispensáveis à dirigibilidade, definidas no § 2º do artigo 3º, e conforme o § 1º do artigo 7º da Res. 254/07 (“A marca do instalador e o índice de transmissão luminosa existentes em cada conjunto vidro-película localizadas nas ÁREAS INDISPENSÁVEIS À DIRIGIBILIDADE serão gravados indelevelmente na película por meio de chancela, devendo ser visíveis pelos lados externos dos vidros”).
Em relação à utilização de películas nos vidros dos veículos, portanto, incorrem na infração de trânsito do artigo 230, inciso XVI, do CTB (“Conduzir o veículo com vidros total ou parcialmente cobertos por películas refletivas ou não, painéis decorativos ou pinturas”), os veículos que são conduzidos nas seguintes condições:
- com películas refletivas;
- sem os dois espelhos retrovisores externos, quando tiver película no vidro traseiro (se for veículo produzido a partir de 1999, também incorrerá em infração de falta de equipamento obrigatório – artigo 230, inciso IX);
- sem a chancela com marca do instalador e índice de transmissão luminosa, visível pelos lados externos dos vidros, no caso do para-brisa e dos vidros laterais dianteiros;
- no caso do para-brisa e dos vidros laterais dianteiros, com chancela indicando índices inferiores aos limites estabelecidos, sem a marca do instalador ou, ainda, que não seja visível pelo lado externo do vidro;
- com películas que possuam transmissão luminosa em índices inferiores aos estabelecidos, quando medidos pelo “medidor de transmitância luminosa” e descontados os percentuais determinados pela Resolução nº 253/07 (ver artigo 3º e § 1º do artigo 4o). – ressalta-se que, somente neste último caso, a utilização do equipamento é imprescindível.
Nas situações exemplificadas, a caracterização da infração do artigo 230, inciso XVI, acarreta a penalidade de multa, de R$ 127,69, e cinco pontos no prontuário do infrator; além disso, caso não seja sanada a irregularidade no local da infração, o veículo deve ser normalmente liberado, mediante o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual, para posterior vistoria junto ao órgão de trânsito competente.
Além das condições para aposição de películas, a Resolução 254 também traz regras para a aplicação de inscrições, pictogramas ou painéis decorativos, estabelecendo o seguinte:
- a aplicação é permitida apenas nos vidros laterais traseiros e traseiro (que não são áreas indispensáveis à dirigibilidade do veículo);
- o veículo deve possuir espelhos retrovisores externos de ambos os lados;
- o limite mínimo de transmissão luminosa é o mesmo estabelecido para as películas nestes locais, ou seja, de 28 %.
Apesar do artigo 12 da Resolução 254 prescrever que o não cumprimento das normas estabelecidas configura infração de trânsito do inciso XVI do artigo 230, há que se considerar que determinadas situações, dada sua especificidade, devem ser enquadradas no inciso XV do mesmo artigo (“Conduzir o veículo com inscrições, adesivos, legendas e símbolos de caráter publicitário afixados ou pintados no para-brisa e em toda a extensão da parte traseira do veículo, excetuadas as hipóteses previstas neste Código”).
Finalmente, cabe consignar que existe projeto de lei em tramitação no Senado Federal (e já aprovado na Câmara dos Deputados), alterando o artigo 111 do CTB e diminuindo ainda mais os índices de transmissão luminosa das películas. A redação final encaminhada ao Senado Federal pode ser acessada em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/432814.pdf e a sua tramitação naquela casa legislativa está disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=79744.
São Paulo, 22 de novembro de 2007.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Conselheiro do CETRAN/SP e Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito.