Art. 134 - Transferência da propriedade de veículos automotores, por Julyver Modesto de Araujo
O artigo 123, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade”, sendo previsto, em seu § 1º, o prazo de trinta dias para que o novo proprietário adote as providências necessárias à efetivação desta obrigação legal.
Não é, entretanto, a expedição do Certificado de Registro de Veículo atualizado, já no nome do novo proprietário, que demonstra a verdadeira propriedade sobre o veículo automotor; a própria leitura do artigo destacado nos possibilita concluir que a transferência da propriedade é anterior à atualização do registro, junto ao órgão executivo de trânsito do Estado de domicílio do interessado; ou seja, ainda que não haja a devida transferência, no cadastro de veículos do DETRAN, isto não significa que a propriedade não tenha sido alterada.
Tal análise tem fundamento no artigo 1.226 da Lei nº 10.406/02, que instituiu o Código Civil: “Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”. Em outras palavras, podemos dizer que, diferentemente do que ocorre com bens imóveis, para os quais se exige a transcrição (registro da escritura, no Cartório de Registro de Imóveis), a propriedade (um dos direitos reais, relacionados no artigo 1.225 do CC) dos bens móveis (como os veículos automotores) é transferida por ocasião da realização do negócio jurídico, entre pessoas capazes e mediante forma prescrita ou não proibida em lei: transfere-se no momento em que ocorreu a entrega do veículo ao novo dono, mediante o pagamento ou promessa de pagamento, estabelecida contratualmente entre as partes interessadas.
Podemos dizer, então, que a regularização do documento, no DETRAN, tem como finalidade apenas proporcionar o devido controle do órgão de trânsito, quanto aos dados do real proprietário (já que, em vista da tradição, nem sempre o nome que consta do banco de dados do DETRAN é o daquele que detém, efetivamente, a propriedade do bem). Temos, portanto, o proprietário de fato e de direito, que, nem sempre, coincide com o proprietário, para efeitos do Código de Trânsito Brasileiro, seja para imposição de penalidades, de responsabilidade do proprietário, ou para a correspondente expedição das notificações de trânsito.
Ressalta-se que o novo proprietário que não providencia o atendimento à exigência de informar ao DETRAN a mudança do direito de propriedade sobre o veículo automotor comete uma infração de trânsito específica, prevista no artigo 233 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo sujeito à penalidade de multa, no valor de R$ 127,69 e 5 pontos no prontuário. Se a multa for aplicada em decorrência de bloqueio por “falta de transferência”, constatada por agente de trânsito do órgão estadual durante a fiscalização de trânsito na via pública, o condutor ainda terá o Certificado de Licenciamento Anual do veículo recolhido, nos termos do artigo 270, § 2º, do CTB.
O que muita gente não sabe é que, da mesma forma que o antigo proprietário tem esta obrigação legal, quem vendeu o veículo automotor também está sujeito às disposições do Código de Trânsito, devendo encaminhar ao órgão executivo de trânsito estadual (DETRAN) cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente datado e assinado, no mesmo prazo de trinta dias, a contar da venda do bem (artigo 134 do CTB).
Neste caso, entretanto, não há qualquer sanção ao descumprimento da norma; a única consequência é que, enquanto não houver a comunicação, o DETRAN considerará o nome que consta em seus arquivos como sendo o do efetivo proprietário e, portanto, sendo o veículo multado, a ele caberá a responsabilidade pelas consequentes penalidades aplicadas.
Quando da venda de um veículo automotor, destarte, alguns cuidados são essenciais, para que não ocorram desdobramentos indesejáveis ao antigo proprietário:
- o primeiro deles é, justamente, o cumprimento do artigo 134, tão logo o veículo seja entregue a quem o adquiriu; independente deste providenciar a transferência dentro do prazo, o fato é que, enquanto o DETRAN não tiver esta informação, considerará o antigo proprietário como responsável pelas multas impostas ao veículo e, portanto, podem lhe ser computados pontos por infrações de trânsito cometidas, para as quais não tenha sido indicado o condutor (artigo 257, § 7º, do CTB);
- além de enviar uma cópia autenticada do CRV, frente e verso, ao DETRAN, é importante ao vendedor que guarde consigo outra cópia, para eventual necessidade de comprovação do negócio jurídico realizado; e
- enquanto não houver a comunicação ao DETRAN, o proprietário antigo deverá ficar atento se receber qualquer notificação da autuação, pois haverá a necessidade de preencher o formulário de indicação do condutor infrator e enviá-lo ao órgão autuador, juntamente com cópia da CNH do adquirente e sua assinatura, aposta ao formulário (se a comunicação já tiver sido realizada, o envio da informação é dispensável).
Agindo desta maneira, mesmo que o novo proprietário demore para regularizar a transferência do documento no DETRAN, o vendedor não precisará se preocupar com possíveis multas impostas ao veículo que lhe pertencia; ainda que sua residência seja o local de recebimento das notificações expedidas (já que é o endereço que ainda constará do órgão de trânsito), a ele não caberá mais qualquer responsabilidade.
São Paulo, 29 de fevereiro de 2012.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO