Art. 230 - Transporte remunerado em motocicletas, por Julyver Modesto de Araujo
No dia 04/08/12, entraram em vigor as novas regras para o transporte remunerado em motocicletas e motonetas, exceto quanto à necessidade de se realizar Curso especializado, o que foi prorrogado para 02/02/13, pela Resolução do Conselho Nacional de Trânsito nº 410/12.
A regulamentação decorre do reconhecimento legal das profissões de motofretista e mototaxista (condutores de motocicletas e motonetas que realizam, respectivamente, o transporte remunerado de cargas e de pessoas), por meio da Lei nº 12.009/09, que incluiu o Capítulo XIII-A no Código de Trânsito Brasileiro, sendo complementado pela Resolução do CONTRAN nº 356/10.
Apesar de citada Resolução ter entrado em vigor em 04/08/11 (pois havia dado um prazo de 365 dias para vigência), à época, o Departamento Nacional de Trânsito expôs o entendimento de que deveria ser dado um prazo de mais um ano para as adequações destes profissionais, tendo em vista que o artigo 8º da Lei nº 12.009/09 mencionava este período de adaptação, tão logo vigorassem as regras estabelecidas pelo CONTRAN.
Embora as normas mencionadas tenham validade nacional, é necessário destacar, entretanto, que as atividades de motofrete e mototáxi somente podem ser desenvolvidas nas cidades em que exista legislação própria, que fixe os requisitos para a concessão da respectiva autorização pelo Poder público. Neste sentido, prevê o artigo 139-B do CTB que “o disposto neste Capítulo não exclui a competência municipal ou estadual de aplicar as exigências previstas em seus regulamentos para as atividades de motofrete no âmbito de suas circunscrições”, o que é corroborado pelo artigo 16 da Resolução do CONTRAN nº 356/10 (tanto em relação ao motofrete, quanto em relação ao mototáxi), sendo necessário verificar, portanto, em cada município, se existem normas específicas para estes tipos de transporte.
Na cidade de São Paulo, a título de exemplo, vigora a Lei municipal nº 14.491/07, regulamentada pelo Decreto nº 48.919/07 e complementada pelas Portarias da Secretaria Municipal de Transportes nº 131, 132, 133, 134 e 135/11; não havendo, entretanto, regulamentação permissiva para o transporte remunerado de passageiros (mototáxi), o que, portanto, deve ser considerado como ilegal, na capital paulista.
Antes de apresentarmos as regras aplicáveis ao transporte remunerado em motocicletas e motonetas, de que ora tratamos, convém mencionar que não há definição exata, na legislação de trânsito, do que vem a ser o “transporte remunerado de cargas”, a fim de nortear a atividade de fiscalização de trânsito, fazendo-se necessária a aplicação de analogia, para o que se socorre de dois conceitos:
1. o constante da Resolução da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres nº 3.056/09, que dispõe sobre o exercício da atividade de transporte rodoviário de cargas, restringindo a sua aplicabilidade àqueles que “exercem a atividade econômica, de natureza comercial, de transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração” (g.n.); e
2. o previsto no artigo 4º da Portaria nº 132/11-SMT.GAB, de São Paulo, que prevê a concessão de Termo de Credenciamento Simplificado às pessoas jurídicas que, apesar de sua atividade empresarial principal não ser a exploração do serviço de motofrete, utilizam motocicletas próprias para entrega.
Assim, podemos dizer que se enquadram na atividade de motofrete as motocicletas e motonetas utilizadas para exercer a atividade econômica, de natureza comercial, para transporte de cargas de outras pessoas e mediante remuneração; e, ainda, as pessoas jurídicas que, apesar de sua atividade empresarial principal não ser a exploração do serviço de motofrete, utilizam motocicletas próprias para entrega dos produtos que comercializa (como pizzarias, bancos, farmácias e outras empresas).
Importante salientar, em complemento ao esclarecimento acima, que os veículos utilizados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não são considerados de “transporte remunerado de carga”, tendo em vista que o serviço postal não constitui atividade econômica, mas serviço público, prestado exclusivamente pela União, nos termos do artigo 21, inciso X, da Constituição Federal.
Outra questão crucial, que não vem sendo atendida adequadamente pelos órgãos públicos, se refere à autorização para circulação deste tipo de veículo, pois o artigo 139-A do CTB estabelece que tal concessão cabe ao órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados; entretanto, não é o que vem sendo feito. No Estado de São Paulo, por exemplo, não há atuação do DETRAN neste procedimento, havendo a possibilidade de se deparar com duas situações distintas:
1ª. em algumas cidades, como na capital, por existir legislação específica, o condutor interessado na prestação do serviço de motofrete deve se regularizar junto à Prefeitura, por meio do Departamento de Transportes Públicos, responsável pela verificação do atendimento aos requisitos exigidos pela legislação e consequente emissão da Licença e do CONDUMOTO; assim, é de se entender que a apresentação da Licença, relativa ao transporte autorizado pelo município, supre o documento estadual que se exigiria do condutor; e
2ª. nas cidades que não possuem regulamentação, a inércia do Poder público pressupõe que não seja autorizada a prestação do serviço, assim como ocorre em relação ao mototáxi, nos municípios sem legislação própria e, desta forma, não será mais possível realizar o transporte de cargas em motocicletas e motonetas, até que haja a devida regulamentação pela Administração.
Feitas tais considerações iniciais, passemos às regras propriamente ditas e ao que considero adequado, para a consequente padronização da fiscalização de trânsito:
Entendo, primeiramente, imprescindível avaliar se realmente o condutor exerce a atividade remunerada, o que poderia ser feito da seguinte maneira:
I - para a constatação do “transporte remunerado de cargas”, o agente de trânsito competente deve realizar vistoria na grelha e/ou no baú da motocicleta ou motoneta, bem como em eventual mochila transportada pelo condutor (que passa a ser irregular, no transporte remunerado), solicitando documentação comprobatória da propriedade dos materiais encontrados, não devendo ser considerados como realizando o “transporte remunerado de cargas” os veículos que se encontrem nas seguintes condições, devendo-se continuar a fiscalização como qualquer outra motocicleta ou motoneta, utilizada para fins particulares: não transportem qualquer carga no momento da abordagem; transportem objetos de uso exclusivamente pessoal, como roupas, acessórios, documentos, ferramentas para uso profissional do condutor etc; transportem, exclusivamente, documentos, boletos bancários, cheques, correspondências, entre outros papéis que façam presumir ser o condutor o responsável pelos serviços de contabilidade, pagamento de contas da empresa em que trabalha, ou entrega nos Correios para remessa postal; e transportem produtos cuja nota fiscal tenha como destinatário final o próprio condutor ou pessoa jurídica na qual ele é funcionário; e
II - para a constatação do “transporte remunerado de passageiros”, deverá ser verificado se o condutor transporta pessoa na motocicleta/motoneta, questionando ambos (e em separado) sobre eventual relação comercial entre eles, mediante o pagamento de alguma quantia para o referido transporte, não sendo considerado irregular o transporte que ensejar dúvidas sobre a realização do serviço de mototáxi.
Excetuando-se as situações acima elencadas, e sendo constatado o transporte remunerado de cargas ou de passageiros, deverão ser exigidos os seguintes requisitos:
- quanto ao condutor:
* idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
* Carteira Nacional de Habilitação na categoria “A”, com a inscrição “motofretista” ou “mototaxista”, no campo de observações (segundo a Resolução do CONTRAN nº 410/12, o Curso deve ser exigido somente a partir de 02/02/13);
* colete de segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos, na cor amarela;
* capacete de segurança, com viseira ou óculos de proteção, nos termos da Resolução do CONTRAN nº 203/06, dotado de dispositivos retrorrefletivos, nas cores vermelha e branca;
- quanto ao veículo:
* registro na espécie carga (para o motofrete) OU na espécie passageiro (para o mototáxi) e, para ambos, na categoria aluguel, com o consequente emplacamento com o fundo vermelho e dígitos brancos (a categoria aluguel não é exigida apenas para os veículos pertencentes à frota da pessoa jurídica que não tem o serviço de motofrete como sua atividade principal, como farmácias, pizzarias, escritórios etc);
* autorização emitida pelo órgão executivo de trânsito do Estado (DETRAN) ou Licença expedida pela Secretaria Municipal responsável pela concessão;
* dispositivo de proteção para pernas e motor;
* dispositivo aparador de linha, fixado no guidon do veículo;
* para o transporte remunerado de cargas (motofrete), deve-se exigir o dispositivo de fixação permanente ou removível (o que torna proibido o transporte remunerado em mochila), com as seguintes especificações:
I) se alforjes, bolsas ou caixas laterais - largura: não poderá exceder as dimensões máximas dos veículos, medida entre a extremidade do guidon ou alavancas de freio à embreagem, a que for maior, conforme especificação do fabricante do veículo; comprimento: não poderá exceder a extremidade traseira do veículo; e altura: não superior à altura do assento em seu limite superior;
II) se equipamento fechado (baú) - largura: 60 (sessenta) cm, desde que não exceda a distância entre as extremidades internas dos espelhos retrovisores; comprimento: não poderá exceder a extremidade traseira do veículo; altura: não poderá exceder a 70 (setenta) cm de sua base central, medida a partir do assento do veículo; e deve conter faixas retrorrefletivas, nas cores vermelha e branca;
III) se equipamento aberto (grelha) - largura: 60 (sessenta) cm, desde que não exceda a distância entre as extremidades internas dos espelhos retrovisores; comprimento: não poderá exceder a extremidade traseira do veículo; altura: a carga acomodada no dispositivo não poderá exceder a 40 (quarenta) cm de sua base central, medida a partir do assento do veículo; e as dimensões da carga a ser transportada não podem extrapolar a largura e comprimento da grelha;
IV) se montagem combinada dos dois tipos de equipamento: a caixa fechada (baú) não pode exceder as dimensões de largura e comprimento da grelha, admitida a altura do conjunto em até 70 cm da base do assento do veículo.
Ressalta-se que: I) em qualquer caso, os dispositivos de transporte, assim como as cargas, não poderão comprometer a eficiência dos espelhos retrovisores; II) as caixas especialmente projetadas para a acomodação de capacetes não estão sujeitas às prescrições acima, podendo exceder a extremidade traseira do veículo em até 15 cm; III) é proibido o transporte de combustíveis inflamáveis ou tóxicos, e de galões, com exceção de botijões de gás com capacidade máxima de 13 kg e de galões contendo água mineral, com capacidade máxima de 20 litros, desde que com auxílio de sidecar, nos limites estabelecidos pelos fabricantes ou importadores, não podendo a altura da carga exceder o limite superior o assento da motocicleta e mais de 40 (quarenta) cm; IV) , no transporte não remunerado, aplicam-se as mesmas regras, especificamente para eventual dispositivo para transporte de carga instalado na motocicleta; e V) para o transporte remunerado de passageiros (mototáxi), não se exige o dispositivo de transporte de carga, mas: alças metálicas, traseira e lateral, destinadas ao apoio do passageiro.
A Resolução nº 356/10 ainda exige que seja inscrita a Capacidade Máxima de Tração no Certificado de Registro de Veículo (CRV) e no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), bem como seja realizada inspeção de segurança semestral; todavia ainda não há efetiva regulamentação destes quesitos pelo Conselho Nacional de Trânsito, o que impede a fiscalização de trânsito.
Na inobservância das prescrições acima estabelecidas, o condutor terá cometido uma das seguintes infrações de trânsito:
- artigo 221 (“Portar no veículo placas de identificação em desacordo com as especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN”) – se o veículo estiver registrado na categoria aluguel, mas com a placa de identificação particular (fundo cinza e dígitos pretos);
- artigo 230, V (“Conduzir o veículo que não esteja registrado e devidamente licenciado”) – quando o veículo não estiver registrado na espécie carga (motofrete) ou passageiro (mototáxi);
- artigo 230, IX (“Conduzir o veículo sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante”) – quando os espelhos retrovisores estiverem obstruídos pelos dispositivos de transporte;
- artigo 230, X (“Conduzir o veículo com equipamento obrigatório em desacordo com o estabelecido pelo CONTRAN”) – quando o capacete de segurança ou o baú não contiverem os dispositivos retrorrefletivos nas cores vermelha e branca;
- artigo 230, XII (“Conduzir o veículo com equipamento ou acessório proibido”) – quando o veículo utilizado para o transporte de passageiros (mototáxi) contiver dispositivos para o transporte de carga (baú);
- artigo 231, IV (“Transitar com o veículo com suas dimensões ou de sua carga superiores aos limites estabelecidos legalmente ou pela sinalização, sem autorização”) – quando os dispositivos para transporte excederem os limites de largura, comprimento e altura fixados;
- artigo 231, VIII (“Transitar com o veículo efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente”) – quando o veículo não estiver registrado na categoria aluguel;
- artigo 244, I (“Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor sem usar capacete de segurança com viseira ou óculos de proteção e vestuário de acordo com as normas e especificações aprovadas pelo CONTRAN”) – quando o condutor não estiver utilizando o colete retrorrefletivo, na cor amarela;
- artigo 244, VIII (“Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor transportando carga incompatível com suas especificações ou em desacordo com o previsto no § 2º do art. 139-A desta Lei”) – quando estiverem sendo transportados combustíveis inflamáveis ou tóxicos (inclusive botijões de gás) ou galões, fora do side-car; e
- artigo 244, IX (“Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor efetuando transporte remunerado de mercadorias em desacordo com o previsto no art. 139-A desta Lei ou com as normas que regem a atividade profissional dos mototaxistas”) – quando o condutor tiver menos de 21 anos; quando não apresentar a autorização para realização do transporte (Licença do veículo) e/ou a comprovação do Curso especializado (inscrição na CNH); quando o veículo não possuir: dispositivo de proteção para pernas e motor; dispositivo aparador de linha; dispositivo de fixação permanente ou removível, para transporte da carga (por exemplo, condutor transportando carga em mochila); ou dispositivos de apoio para o passageiro; quando realizado o transporte remunerado de passageiros, em municípios sem regulamentação (mototáxi).
Como se vê, são várias as infrações de trânsito a que estão sujeitos os condutores que não atenderem à regulamentação atualmente em vigor, sendo importante ressaltar que, conforme o artigo 266 do CTB e Resolução do CONTRAN nº 371/10 (Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito), devem ser elaborados quantos autos de infrações forem correspondentes às condutas praticadas, tendo em vista a previsão de aplicação cumulativa de penalidades às infrações concomitantes; entretanto, no caso da constatação de infrações em que os códigos infracionais possuam a mesma raiz (os três primeiros dígitos), considerar-se-á apenas uma infração.
São Paulo, 10 de agosto de 2012.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br). Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.