Art. 148 - Nova Lei dos caminhoneiros, por Julyver Modesto de Araujo
Em 2012, ficou conhecida como “Lei do descanso” ou “Lei dos caminhoneiros”, a Lei n. 12.619/12, publicada no DOU de 02/05/12, e que estabelecia regras de segurança para o exercício da profissão de motorista, as quais geraram diversas críticas do setor, ocasionando um esforço legislativo para modificá-las em diversos aspectos. Em meio a protestos, que cobravam políticas públicas favoráveis ao transporte de carga, o Poder Executivo federal aprovou, no início do mês de março de 2015, o Projeto de Lei que pretendia modificar as normas em vigor desde 2012, resultando na Lei n. 13.103/15, publicada no DOU de 03/03/15.
Esta norma jurídica, logo denominada “nova Lei dos caminhoneiros”, não trata, na verdade, apenas dos condutores de caminhões, mas regula o exercício da profissão de motorista, empregado em duas atividades econômicas:
I) de transporte rodoviário de passageiros; e
II) de transporte rodoviário de cargas.
Em seus 22 artigos, a novel legislação dispõe sobre regras trabalhistas, previdenciárias e de segurança viária, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452/43), a Lei específica do transporte rodoviário de cargas (Lei n. 11.442/07), da tolerância na pesagem de veículos de transporte (Lei n. 7.408/85) e o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), especificamente sobre o qual serão apresentadas, neste texto, as mudanças ocorridas.
São as seguintes alterações na legislação de trânsito, com a “nova Lei dos caminhoneiros”:
1. Períodos máximos de direção e mínimos de descanso:
O Capítulo III-A do CTB (Da condução de veículos por motoristas profissionais), que fora incluído pela Lei n. 12.619/12, continua existindo, porém com mudanças, quanto aos períodos máximos de direção e mínimos de descanso.
O motorista de veículo de transporte rodoviário coletivo de passageiros ou de cargas não poderá dirigir por mais de 5 (cinco) horas e meia ininterruptas, devendo ser observados, para o transporte de carga, 30 (trinta) minutos para descanso dentro de cada 6 (seis) horas; e, no caso do transporte de passageiros, 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas na direção. Em ambos os casos, é admitido o fracionamento do tempo de condução e de descanso, desde que não ultrapasse o limite de 5 horas e meia ininterruptas à direção do veículo.
O § 2º do artigo 67-C do CTB passa a estabelecer que “Em situações excepcionais de inobservância justificada do tempo de direção, devidamente registradas, o tempo de direção poderá ser elevado pelo período necessário para que o condutor, o veículo e a carga cheguem a um lugar que ofereça a segurança e o atendimento demandados, desde que não haja comprometimento da segurança rodoviária”.
Além deste descanso menor, a cada seis ou quatro horas, exige-se que, dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, seja observado um mínimo de 11 (onze) horas de descanso, que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos menores (de 30 minutos) e desde que se tenha um mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas de descanso, devendo o condutor cumprir integralmente o intervalo de descanso, antes de iniciar uma viagem e sendo previsto expressamente, no § 7º do artigo 67-C, que nenhum transportador de cargas ou coletivo de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas ordenará a qualquer motorista a seu serviço, ainda que subcontratado, que conduza veículo sem observância a tal regra.
Os tempos de direção e de descanso devem ser controlados e registrados pelo próprio motorista profissional, mediante registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo (tacógrafo) ou por meio de anotação em diário de bordo, ou papeleta de trabalho externo, ou por meios eletrônicos instalados no veículo, sendo previsto, no § 2º do artigo 67-E a necessidade de regulamentação específica do Conselho Nacional de Trânsito. No caso de equipamento eletrônico ou registrador, o seu funcionamento deve ser independente de qualquer interferência do condutor, quanto aos dados registrados.
2. Trânsito de veículos de carga novos:
Com a inclusão do § 2º ao artigo 132, ficou estabelecido que os veículos de cargas novos, nacionais ou importados, somente poderão transitar, antes do registro e licenciamento, de forma embarcada, do pátio da fábrica ou do posto alfandegário ao Município de destino, portando a nota fiscal de compra e venda ou documento alfandegário (não será aplicável, portanto, aos veículos de carga, a possibilidade de serem conduzidos na via pública, somente com a nota fiscal, no prazo de 15 dias consecutivos a partir da saída do veículo, conforme Resolução do Contran n. 04/98, alterada pela n. 487/14).
3. Exame toxicológico para habilitação e renovação da CNH:
A exigência de exame toxicológico para os condutores das categorias “C”, “D” e “E”, tanto para a mudança de categoria, quanto para a renovação de habilitação, vinha sendo objeto de polêmica (com posicionamento contrário, inclusive, de médicos que atuam na área) e estava sendo tratada de forma infra-legal, por meio de regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito.
Neste sentido, a Resolução do Contran n. 425/12, que dispõe sobre o exame de aptidão física e mental no processo de formação de condutores, havia sido alterada pela n. 460/13, que passou a prever a obrigatoriedade deste tipo de exame, como parte integrante da avaliação médica; todavia os questionamentos surgidos fizeram com que novo regramento fosse aprovado, com a publicação da Resolução n. 517/15, de 29/01/15.
Porém, com a edição da Lei n. 13.103/15, este complemento da avaliação médica passou a constar do próprio Código de Trânsito, o qual teve a inclusão do artigo 148-A, que exige o exame toxicológico para habilitação e renovação da CNH, dos condutores das categorias “C”, “D” e “E” (independentemente de serem motoristas profissionais, que exercem a atividade remunerada).
O exame toxicológico visa aferir o consumo de substâncias psicoativas que, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, nos termos das normas do Contran (por enquanto, a regulamentação em vigor é a Resolução n. 517/15, já mencionada).
Além da realização do exame, na mudança de categoria e na renovação da habilitação, prevê o artigo 148-A, §§ 2º e 3º a exigência de nova avaliação na metade do tempo de validade do exame médico.
A reprovação no exame toxicológico acarretará na suspensão do direito de dirigir, pelo período de 3 (três) meses, que é justamente o tempo de detecção de uso da substância, sendo garantido direito à contraprova e de recurso administrativo, e condicionada a interrupção desta suspensão temporária, caso novo exame dê resultado negativo (haverá a necessidade de se regulamentar o procedimento necessário para todo este trâmite, como prevê o próprio artigo 148-A).
4. Infração de trânsito específica quanto ao período de descanso:
A infração de trânsito por descumprimento dos períodos máximos de direção e mínimos de descanso, estabelecida no artigo 230, inciso XXIII, do CTB (que havia sido incluído pela Lei n. 12.619/12), teve uma diminuição de gravidade, passando de grave para média, e mantendo-se a medida administrativa de retenção do veículo para cumprimento do tempo de descanso aplicável.
O § 1º do artigo 230, ora incluído, prevê que somente será considerada como grave a infração do inciso XXIII quando o condutor for reincidente nesta infração, no período de 12 (doze) meses, o que exigirá, dos órgãos de trânsito, um controle individual de multas atribuídas ao prontuário do condutor (e não ao registro do veículo), para permitir o acompanhamento desta situação.
No caso do condutor estrangeiro, ainda prevê o § 2º que a liberação do veículo fica condicionada ao pagamento ou depósito, judicial ou administrativo, da multa.
5. Responsabilidade por infração de trânsito cometida por passageiro de transporte rodoviário coletivo:
O artigo 259 do CTB, que versa sobre a pontuação atribuída às infrações de trânsito, passou a contemplar um § 4º, com uma redação um tanto quanto confusa, nos seguintes termos: “Ao condutor identificado no ato da infração será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257, excetuando-se aquelas praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excetuadas as situações regulamentadas pelo Contran a teor do art. 65 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro”.
A impressão que se dá, após analisar detidamente o texto incluído no CTB, é a de que, quando o passageiro de um ônibus rodoviário estiver sem cinto de segurança (que é a norma constante do artigo 65 do CTB), não deve ser atribuída pontuação ao motorista do veículo, apesar de ser cabível a multa de trânsito pela infração cometida.
6. Anistia das multas de trânsito por descumprimento do período de descanso e por excesso de peso:
O artigo 22 da Lei n. 13.103/15 estabelece uma verdadeira anistia de multas de trânsito aplicadas a fatos anteriores à data de vigência desta norma, em relação a duas infrações de trânsito específicas:
1ª) inobservância dos períodos de descanso estabelecidos anteriormente, pela Lei n. 12.619/12 (artigo 230, XXIII, do CTB); e
2ª) excesso de peso (artigo 231, V, do CTB).
Apesar de o dispositivo legal estabelecer que “ficam convertidas em sanção de advertência”, entendo que não se trata da advertência por escrito, penalidade prevista nos artigos 256, inciso I, e 267 do CTB, já que esta sanção é exclusiva para infrações de natureza leve e média, e desde que o condutor não seja reincidente na mesma infração nos últimos 12 meses (além de desconsiderar o fator reincidência, o artigo 22 da Lei n. 13.103/15 admite a ‘advertência’ a uma infração de natureza grave, que ERA a gravidade do artigo 230, XXIII). Trata-se, portanto, de um verdadeiro ‘perdão’ dos infratores, uma inovação legislativa.
Em relação às multas pelo descumprimento do período de descanso, prevê o inciso I do artigo 22 que devem ser ‘convertidas em sanção de advertência’ (leia-se canceladas) as penalidades aplicadas até a data de publicação da Lei (ou seja, desde que a infração foi incluída no CTB, 02/05/12, até 03/03/15).
Quanto às multas por excesso de peso, devem ser ‘convertidas em sanção de advertência’ (leia-se canceladas), as penalidades aplicadas até 2 (dois) anos antes da entrada em vigor da Lei. Uma questão interessante, neste aspecto, é que a Lei n. 13.103/15 não estabeleceu, de maneira expressa, quando entra em vigor; portanto, deve ser aplicada a regra geral constante do artigo 1º do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, antiga Lei de Introdução ao Código Civil): “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Destarte, a regra atinge as multas por excesso de peso impostas no período de 17/04/13 a 17/04/15.
7. Outras alterações:
Apesar de não constituírem alteração específica no Código de Trânsito Brasileiro, os artigos 16, 17 e 18 da Lei n. 13.103/15 estabelecem mudanças que merecem destaque, quanto ao transportador de carga.
7.1. Tolerância no excesso de peso:
Fica permitida, na pesagem de veículos de transporte de carga e de passageiros, a tolerância máxima de:
I – 5% (cinco por cento) sobre os limites de peso bruto total;
II – 10% (dez por cento) sobre os limites de peso bruto transmitido por eixo de veículos à superfície das vias públicas.
7.2. Isenção de pedágio para eixos suspensos:
Os veículos de transporte de cargas que circularem vazios não pagarão taxas de pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos.
7.3. Dever do embarcador indenizar o transportador:
O embarcador deve indenizar o transportador por todos os prejuízos decorrentes de infração por transporte de carga com excesso de peso em desacordo com a nota fiscal, inclusive as despesas com transbordo de carga.
8. Vigência das novas regras:
Como mencionado anteriormente, por não constar data específica para início da vigência, a Lei n. 13.103/14 passará a vigorar a partir de 17/04/15.
Existem, todavia, alguns prazos específicos para o cumprimento das novas regras, conforme disposições dos artigos 11 a 14, como segue:
a. Em até 180 (cento e oitenta) dias da PUBLICAÇÃO da Lei, deve ser publicada relação de trechos das vias públicas que disponham de pontos de parada ou de locais de descanso adequados, sob responsabilidade da autoridade com circunscrição sobre a via, que deverá, ainda, ampliar e revisar periodicamente a relação, podendo ser requerida inclusão de locais, pelos estabelecimentos existentes na via;
b. A partir da PUBLICAÇÃO da relação inicial dos locais de descanso, passarão a valer as exigências de períodos máximos de direção e mínimos de descanso, sendo que, durante os primeiros 180 dias de sujeição de cada trecho, a fiscalização deve ser meramente informativa e educativa (mesma condição aplica-se às relações subsequentes, para as vias por elas acrescidas);
c. Decorrido o prazo de 3 (três) anos a contar da PUBLICAÇÃO da Lei, os seus efeitos dar-se-ão para todas as vias, independentemente da publicação de relação com os locais de descanso ou de suas revisões;
d. Em 90 (noventa) dias da PUBLICAÇÃO da Lei, passará a ser exigido o exame toxicológico para renovação e habilitação das categorias “C”, “D” e “E”;
e. Em 1 (um) ano a partir da ENTRADA EM VIGOR da Lei, passará a ser exigido o exame toxicológico para a admissão e demissão de motorista profissional;
f. Em 3 (três) anos e 6 (seis) meses a partir da ENTRADA EM VIGOR da Lei, passará a ser exigido o exame toxicológico intermediário (no meio da validade da CNH) para o condutor habilitado nas categorias “C”, “D” e “E”, quando o exame médico de sua habilitação tiver a validade a cada 5 (cinco) anos (via de regra, até os 65 anos de idade);
g. Em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses a partir da ENTRADA EM VIGOR da Lei, passará a ser exigido o exame toxicológico intermediário (no meio da validade da CNH) para o condutor habilitado nas categorias “C”, “D” e “E”, quando o exame médico de sua habilitação tiver a validade a cada 3 (três) anos (via de regra, aos condutores com mais de 65 anos de idade).
São Paulo, 10 de março de 2015.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.