Art. 232 - Transporte de produtos perigosos, por Julyver Modesto de Araujo
O transporte de produtos perigosos, na via pública, é regulamentado por um conjunto de normas específicas, que extrapolam a legislação de trânsito brasileira (a qual se limita a traçar regras gerais, para a condução de veículos de carga, além de requisitos específicos para o condutor de transporte especializado), tendo como base o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos - RTPP, aprovado pelo Decreto federal n. 96.044/88, cuja responsabilidade de complementação era do Ministério dos Transportes, mas passou a ser da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, em vista da Lei federal n. 10.233/01.
Na esfera de competência da ANTT, o RTPP foi atualizado pela Resolução n. 3.665/11 (e alterações posteriores), dispondo, dentre outras exigências, sobre:
- as condições de transporte;
- os procedimentos em casos de emergência, ocorrência de trânsito, ou avaria;
- deveres, obrigações e responsabilidades;
- fiscalização; e
- infrações e penalidades.
O RTPP ainda possui instruções complementares, estabelecidas pela Resolução da ANTT n. 420/04 (e suas alterações), quanto a:
- classificação;
- relação de produtos perigosos;
- provisões especiais aplicáveis a certos artigos ou substâncias;
- produtos perigosos embalados em quantidade limitada;
- disposições relativas a embalagens e tanques e exigências para fabricação;
- marcação e rotulagem;
- identificação das unidades de transporte e de carga;
- documentação; e
- prescrições relativas às operações de transporte.
Existem diversos produtos considerados perigosos, por representarem risco para a saúde de pessoas, para a segurança pública ou para o meio ambiente, conforme classificação constante da Resolução n. 420/04, sendo que cada um possui um número de identificação estabelecido pela ONU e nomes apropriados para embarque, de acordo com a sua classificação. A relação constante da Resolução n. 420/04, além de listar os produtos mais comumente transportados, informa este número da ONU, a classe de risco, o risco subsidiário, grupo de embalagem, instruções para embalagens, documentação exigida, equipamentos obrigatórios, entre outras informações.
Para cada produto perigoso, são estabelecidas, ainda, quantidades limitadas, para as quais não se exige o cumprimento de grande parte dos requisitos, incluindo o treinamento em curso especializado do motorista e a identificação do veículo, com a simbologia própria de cada produto (rótulos de risco, painéis de segurança e símbolos especiais); basicamente, se mantém a obrigatoriedade apenas das precauções de manuseio e das disposições relativas à embalagem e sua marcação e rotulagem, devendo-se incluir, na documentação de transporte, o número e nome apropriado, classe e subclasse do produto, com indicação de que se trata de quantidade isenta e declaração de conformidade com a regulamentação, assinada pelo expedidor.
Abaixo, os principais itens a serem cumpridos para o transporte de produtos perigosos, com base na legislação mencionada:
1. Exigências para o motorista
A regulamentação para o motorista é, praticamente, a única regra constante do Código de Trânsito Brasileiro, tendo em vista que o seu artigo 145 estabelece que, para a condução de determinados veículos, entre eles os de transporte de produtos perigosos, é obrigatório que o condutor preencha determinados requisitos:
I – ser maior de vinte e um anos;
II – não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses; e
III – ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do Conselho Nacional de Trânsito.
O Curso especializado para o transporte de produtos perigosos é popularmente conhecido como Curso MOPP (Movimentação e Operação de Produtos Perigosos). Sua regulamentação encontra-se na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 168/04 e pode ser ministrado pelos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal ou por instituições vinculadas ao Sistema Nacional de Formação de Mão-de-obra (por exemplo, o Sistema SEST/SENAT), com a carga horária de 50 (cinquenta) horas aula e o seguinte conteúdo programático: Legislação de trânsito (10 h/a); Direção defensiva (15 h/a); Noções de primeiros socorros, respeito ao meio ambiente e prevenção de incêndio (10 h/a); e Movimentação de produtos perigosos (15 h/a).
De acordo com o artigo 2º da Resolução do Contran n. 205/06, que versa sobre documentos de porte obrigatório, “sempre que for obrigatória a aprovação em curso especializado, o condutor deverá portar sua comprovação até que essa informação seja registrada no RENACH e incluída, em campo específico da CNH, nos termos do § 4º do Art. 33 da Resolução do Contran n. 168/05”.
Por conta desta obrigatoriedade de porte da comprovação do Curso (até que haja a inscrição na própria CNH) e tendo em vista a inexistência de infração de trânsito específica, tem-se entendido que a não comprovação do Curso especializado para o transporte de produtos perigosos configura infração do artigo 232 do CTB (“Conduzir veículo sem os documentos de porte obrigatório referidos neste Código”), além do crime previsto no artigo 56 da Lei federal n. 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (“Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”), sujeito à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa.
2. Exigências para o veículo
2.1. Simbologia
A simbologia dos veículos que transportam produtos perigosos é composta por dois itens de identificação: os painéis de segurança e os rótulos de risco, os quais apresentam informações referentes ao produto transportado, de acordo com Normas Brasileiras da Associação Brasileira de Normas Técnicas, sendo estabelecidos, pela Resolução ANTT n. 420/04, o modo de fixação, quantidade e condições de uso destes sinais.
O objetivo desta simbologia é permitir que o produto transportado seja reconhecido à distância, pela aparência geral dos símbolos (como forma e cor), possibilitar uma identificação rápida dos riscos que apresentam e prover, por meio das cores dos rótulos, uma primeira indicação quanto aos cuidados a observar no manuseio e atendimento de emergências nas ocorrências de trânsito.
Os painéis de segurança são retângulos, na cor laranja, com borda preta, e números na cor preta, em duas linhas, sendo aposto, na parte superior, o número que indica os riscos do produto e, na parte inferior, o número de identificação do produto (número ONU).
Os rótulos de risco têm a forma de um quadrado, apoiado sobre um de seus vértices (como se fossem um losango), constituindo, nos veículos, ampliações dos rótulos aplicáveis às embalagens e servem para identificar a classe de risco do produto, representada por números e símbolos.
São as seguintes as classes de risco: 1) explosivos; 2) gases; 3) líquidos inflamáveis; 4) sólidos inflamáveis; substâncias sujeitas a combustão espontânea; substâncias que, em contato com a água, emitem gases inflamáveis; 5) substâncias oxidantes e peróxidos orgânicos; 6) substâncias tóxicas (venenosas) e infectantes; 7) materiais radioativos; 8) corrosivos; e 9) substâncias e artigos perigosos diversos.
2.2. Documentos obrigatórios
Além dos documentos obrigatórios para a condução de qualquer veículo automotor, previstos no CTB, que são a Carteira Nacional de Habilitação (artigo 159) e o Certificado de Licenciamento Anual (artigo 133), o condutor de veículo que transporta produtos perigosos deve portar alguns documentos específicos, conforme artigo 28 da Resolução ANTT n. 3.665/11, alterada pela Resolução n. 3.762/12:
I - originais do Certificado de Inspeção para o Transporte de Produtos Perigosos - CIPP e do Certificado de Inspeção Veicular - CIV, no caso de transporte a granel, dentro da validade, emitidos pelo Inmetro ou entidade por este acreditada;
II - documento fiscal contendo as informações relativas aos produtos transportados, conforme o detalhamento previsto nas instruções complementares ao Regulamento para o Transporte de Produtos Perigosos - RTPP;
III - Declaração do Expedidor de que os produtos estão adequadamente acondicionados e estivados para suportar os riscos normais das etapas necessárias à operação de transporte e que atendem à regulamentação em vigor, conforme detalhamento previsto nas instruções complementares ao RTPP;
IV - Ficha de Emergência e Envelope para o Transporte, emitidos pelo expedidor, conforme o estabelecido nas instruções complementares ao RTPP, preenchidos de acordo com informações fornecidas pelo fabricante ou importador dos produtos transportados;
V - autorização ou licença da autoridade competente para expedições de produtos perigosos que, nos termos das instruções complementares ao RTPP, necessitem do(s) referido(s) documento(s), como, por exemplo, a Guia de Tráfego de produtos controlados pelo Ministério da Defesa, ou Declaração de Expedidor de material radioativo; e
VI - demais declarações exigidas nos termos das instruções complementares ao RTPP.
Ressalta-se que, como explanado anteriormente, também deve o condutor portar a comprovação de realização do Curso especializado para transporte de produtos perigosos, quando tal informação não constar do campo de observações da CNH.
2.3. Equipamentos obrigatórios
Para cada tipo de produto perigoso transportado, é exigido um conjunto de equipamentos para situações de emergência e de equipamentos de proteção individual - EPI, sendo que a composição de cada conjunto varia em função do produto.
Os equipamentos para situações de emergência abrangem calços, fitas, dispositivos para sustentação, placas “Perigo. Afaste-se”, lanterna, lona e pá para cargas sólidas, cones, bolsa e conjunto de ferramentas.
Os equipamentos de proteção individual, a serem utilizados tanto pelo motorista quanto pelo ajudante, englobam capacete, luvas, óculos para produtos químicos, semi-máscara, máscara panorâmica, máscara de fuga, respirador para pó, protetor facial e filtros.
3. Infrações específicas
A fiscalização das regras para o transporte de produtos perigosos, bem como a aplicação de multas por infrações cometidas, incumbe à ANTT e aos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários, com circunscrição sobre a via onde transita o veículo transportador, conforme os artigos 49 e 51, § 1º, da Resolução ANTT n. 3.665/11, a qual trouxe maior rigor na fiscalização do transporte de produtos perigosos, aumentando o número de infrações específicas, em relação ao Regulamento originariamente aprovado pelo Decreto federal n. 96.044/88.
O artigo 52 desta Resolução prevê a classificação das infrações, conforme a gravidade, em 3 grupos: Primeiro, Segundo e Terceiro, cuja multa é o equivalente a, respectivamente, mil reais, setecentos reais e quatrocentos reais. As condutas infracionais são descritas nos artigos 53 e 54, para o transportador e o expedidor, sendo que determinadas situações são multadas em duplicidade, por existir punição aplicável tanto a quem transporta, quanto àquele que expede o produto.
Os códigos de enquadramento para o processamento das multas respectivas são estabelecidos pela Resolução da ANTT n. 3880/12 (com alteração da Resolução n. 3.924/12).
O artigo 55, finalmente, prevê também responsabilização ao destinatário da carga, uma única infração punida com multa no valor de setecentos reais, quando, nas operações de descarga, não forem adotados cuidados específicos a fim de evitar danos, avarias ou acidentes. Esta foi uma inovação da Resolução, pois o RTPP previa apenas responsabilização ao transportador e expedidor.
Concluindo: Apesar da complexidade do assunto, buscamos, neste artigo, apresentar um resumo sobre as principais questões previstas na legislação do transporte de produtos perigosos. Maiores informações podem ser obtidas diretamente na página da ANTT.
São Paulo, 10 de maio de 2015.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.