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Art. 329 - Lei do UBER - Transporte Remunerado Especial, por Julyver Modesto de Araujo

O transporte remunerado individual de passageiros não possui uma regulação específica no Código de Trânsito Brasileiro, o qual se limita a prever as seguintes condições para seu exercício:

1. quanto ao veículo:

1.1. classificação na categoria aluguel (artigo 96, inciso III, alínea 'd');

1.2. registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial, ANTECEDIDO por autorização do poder público concedente (artigo 135) – o “emplacamento” de característica comercial segue os critérios de placas de identificação previstos na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 231/07 (fundo de cor vermelha e caracteres na cor branca).

2. quanto ao condutor:

2.1. apresentação de certidão negativa do registro de distribuição criminal relativamente aos crimes de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores, renovável a cada 5 anos (artigo 329);

2.2. realização da avaliação psicológica em toda renovação da CNH, com a inclusão de informação “Exerce Atividade Remunerada”, em campo específico (artigo 147, §§ 3º e 5º).

Este transporte remunerado INDIVIDUAL de passageiros sempre foi tido como a atividade de TÁXI, conclusão corroborada, inclusive, pela Lei n. 12.587/12 (diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana) e pela Lei n. 12.468/11 (regulamenta a profissão de taxista).

Cabe consignar que, diferentemente do transporte COLETIVO de passageiros (serviço público, prestado diretamente, ou sob regime de concessão ou permissão, pelos Municípios, conforme artigo 30, inciso V, da Constituição Federal), a atividade de táxi é considerada uma ATIVIDADE ECONÔMICA, regida pela concorrência e livre iniciativa, e marcada pela atuação normativa e reguladora do Estado, do que decorre suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento (regra geral, do artigo 174 da CF).

Não há, portanto, necessidade de licitação, mas, atendidos os requisitos legais, a mera autorização para realização desta atividade (recentemente, assim se posicionou o Supremo Tribunal Federal, na análise de Recursos Extraordinários que questionavam decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - RE 1002310, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 30/11/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-258 DIVULG 02/12/2016 PUBLIC 05/12/2016).

Assim é que cada Município possui regras próprias para a atividade de um taxista, tanto em relação aos critérios do veículo, quanto do condutor, sendo que a fiscalização do transporte é realizada, em regra, por funcionários das Prefeituras destinados a tal finalidade, não havendo relação direta com a atividade desenvolvida pelos agentes de trânsito, os quais avaliam, tão somente, o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito (exceção feita aos casos em que o agente público é, simultaneamente, fiscal de trânsito e de transportes, conforme especificações do cargo ou emprego por ele ocupado).

Na fiscalização de trânsito, quando abordado na via pública condutor que transporta pessoas, em seu veículo, mediante remuneração, são verificados (neste aspecto) APENAS o cumprimento de duas exigências:

1ª) a inscrição da atividade remunerada na CNH (cuja ausência não constitui infração de trânsito específica, por falta de previsão legal); e

2ª) o registro e licenciamento do veículo na categoria aluguel, com a correspondente placa vermelha (se o veículo estiver registrado/licenciado na categoria aluguel, mas ostentar a placa cinza, destinada a veículo particular - ou vice-versa - a infração será a prevista no artigo 221 do CTB – “portar no veículo placas de identificação em desacordo com as especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN”; se, entretanto, sua categoria E placa forem particulares, a infração será a específica do artigo 231, inciso VIII – “transitar com o veículo efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente”).

Em ambos os casos, o descumprimento de requisitos legais para o exercício da atividade econômica respectiva caracteriza a contravenção penal do artigo 47 do Decreto-lei 3.688/41 (Exercício ilegal de profissão ou atividade).

Esta introdução tem por objetivo mostrar que a Lei n. 13.640/18 (conhecida como “Lei do Uber” – e de outros aplicativos semelhantes), em vigor desde 27MAR18 (data de sua publicação), inovou na regulamentação do transporte remunerado individual de passageiros, pois passou a prever uma espécie de transporte REMUNERADO cujo veículo NÃO necessita ser da categoria aluguel, nem ter a placa vermelha, muito embora não tenha alterado nenhum artigo do CTB.

Vale explicar que, inicialmente, o Projeto de Lei que originou a norma jurídica sob comento pretendia, na verdade, PROIBIR o transporte remunerado por meio de aplicativos, com o uso de veículos particulares, reconhecendo a exclusividade da atividade para taxistas [como, aliás, prevê o artigo 2º da Lei n. 12.468/11 – “é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros”] – por este motivo, o PL n. 5.587/16 (Dep Fed Carlos Zarattini) foi, à época, taxado pelos aplicativos como “Lei do retrocesso”.

Ocorre que, durante a tramitação, ainda na Câmara dos Deputados, o PL foi modificado (relatório do Dep Fed Daniel Coelho) e, posteriormente, recebeu novas alterações no Senado, resultando em Lei totalmente diversa de sua proposta originária (interessante notar, neste imbróglio todo, que NÃO se alterou a Lei n. 12.468/11, isto é, apesar de regulamentada a profissão de taxista por esta Lei, não é mais possível conceber como privativa do taxista a remuneração pelo transporte individual de passageiros).

Neste sentido, venceu a tese que pretendia dar nova interpretação ao inciso X do artigo 4º da Lei n. 12.587/12, o qual conceituava “transporte motorizado privado” como sendo o “meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares”, pois os adeptos dos aplicativos para transporte REMUNERADO de passageiros queriam incluir, neste dispositivo, a atividade ECONÔMICA realizada por veículos particulares.

Assim, tal inciso deixou de tratar do “transporte motorizado privado” para trazer um conceito novo, de “transporte remunerado privado individual de passageiros”, com o seguinte teor: “serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”.

Ademais, foram incluídos, na mesma Lei de mobilidade urbana, os artigos 11-A e 11-B, tratando das regras que os Municípios devem cumprir, para regulamentação da atividade, bem como quais serão as exigências a serem cobradas dos motoristas.

Destarte, com a entrada em vigor da “Lei do Uber”, caberá a cada Município (e Distrito Federal) regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros (isto é, não está totalmente livre, sendo necessário que existam, em cada cidade, normas específicas sobre a atividade), devendo ser observadas, na regulação local, as seguintes diretrizes:

I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço;

II - contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); e

III - inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Para o condutor, são requisitos obrigatórios:

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada;

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal;

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); e

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

Das condições acima mencionadas, verifica-se que o pagamento do DPVAT não é novidade (de vez que se exige de qualquer veículo automotor), bem como que a informação de atividade remunerada e a emissão do CRLV também são decorrentes da própria legislação de trânsito.

Desta forma, as novidades, realmente, ficam por conta da necessidade de regulamentação municipal, que inclua o pagamento de tributos municipais, a contratação de seguro para passageiros, a inscrição do condutor no INSS, o cumprimento das normas específicas para o veículo utilizado e a apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais para o condutor (ressalta-se que, diferentemente do constante do artigo 329 do CTB, aplicável ao taxista e anteriormente mencionado, não são descritos, taxativamente, quais são os crimes impeditivos para a realização da atividade em questão) – não há, entretanto, a necessidade de emissão de AUTORIZAÇÃO municipal a cada interessado (o que se pretendia na Câmara dos Deputados, mas foi retirado no texto do Senado e, consequentemente, foi assim sancionado), o que significa que, cumpridos os requisitos locais, qualquer pessoa cadastrada na plataforma digital poderá exercer a atividade.

Em relação ao CTB, todavia, caberá unicamente saber se o Município possui regulamentação própria para o transporte por aplicativos – na sua inexistência, configurará infração de trânsito do artigo 231, inciso VIII. Todos os demais encargos apontados acima serão de responsabilidade de fiscalização do Município, por meio dos seus correspondentes fiscais, conforme sua organização administrativa (uma questão embaraçosa é que se cogitou limitar a atividade à circunscrição do Município que possua regulamentação permissiva, mas isto não ocorreu; por conseguinte, teremos dificuldades de análise quando um condutor realiza viagem entre cidades).

No Município de São Paulo, por exemplo, o transporte remunerado por meio de aplicativos já havia sido regulado em 2016, por meio do Decreto n. 56.981/16, o qual criou o Comitê Municipal de Uso do Viário – CMUV, constituído por diversos Secretários, com a missão de acompanhar, desenvolver e deliberar os parâmetros e políticas públicas nesta área, o que resultou, no final de 2017, na publicação da Resolução do CMUV n. 16/17, com a fixação de regras para o transporte por aplicativos, mais amplas do que as diretrizes da Lei n. 13.640/18 – informações detalhadas em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes/institucional/dtp/index.php?p=247767).

Por todo o exposto, é que nominei, já no título deste texto, como transporte remunerado ESPECIAL o “transporte remunerado privado individual de passageiros”, pois TODO transporte remunerado necessita ser realizado por condutor AUTORIZADO e com veículo REGISTRADO na categoria aluguel, MENOS O TRANSPORTE REALIZADO POR APLICATIVOS, que possui regras especiais, aqui detalhadas.

Finalmente, registre-se que este transporte remunerado especial não gozará de determinados tratamentos específicos da legislação de trânsito em vigor, voltados ao transporte de ALUGUEL, como vagas sinalizadas para estacionamento (artigo 2º, inciso I, da Resolução n. 302/08) e isenção do uso de dispositivos de transporte para crianças (artigo 1º, § 3º, da Resolução n. 277/08).

São Paulo, 15 de abril de 2018.

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

 

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