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Art. 1 - Alterações legislativas para a melhoria da segurança viária, por Julyver Modesto de Araujo

Recentemente, escrevi sobre a necessidade de se repensar a forma como o Poder Executivo atua na área do trânsito, em relação à atuação normativa exercida pelo Conselho Nacional de Trânsito – Contran, de vez que há de sua parte uma usurpação da função legislativa que deveria ser levada a efeito exclusivamente pelos parlamentares eleitos pelo povo.

Dando sequência à análise acerca da legislação de trânsito brasileira, quero aproveitar este final de ano e a mudança de legislatura do Congresso Nacional, para destacar um aspecto do processo legislativo que é desconhecido da maioria das pessoas e que, em minha opinião, não obstante represente a oportunidade de novos ares na política brasileira, simultaneamente também significa um verdadeiro desperdício de tempo e de dinheiro público.

Explico: a LEI é importante para a melhoria da segurança viária? Sim, não tenho dúvidas disso; afinal, somente por meio da existência de uma norma imposta pelo Estado é que o ser humano se tornará limitado verdadeiramente a agir de determinada forma, sob pena de, não o fazendo, sofrer a sanção prevista no próprio dispositivo normativo, em um ciclo capaz de lhe dar concretude – esta é a premissa da vida em sociedade, de forma geral e, em particular, também no trânsito.

As alterações legislativas são necessárias no trânsito? Muito provavelmente sim, já que as coisas mudam, as relações sociais se alteram, as tecnologias se modificam, os equipamentos automotivos evoluem, novas soluções surgem para velhos problemas.

Mas por quanto tempo uma lei é válida e útil? A partir de quando ela deveria ser revisada, obrigatoriamente? Existe um prazo de “validade”?

A legislação de trânsito brasileira começou de maneira esparsa em 1910, tendo o 1º Código Nacional de Trânsito sido publicado somente em janeiro de 1941 (Decreto-Lei n. 2.994, de 28JAN41) – este Código teve vida curta, apenas alguns meses, posto que em setembro do mesmo ano foi revogado e substituído pelo 2º Código Nacional de Trânsito (Decreto-Lei n. 3.651, de 11SET41), o qual, por sua vez, teve vigência por 25 anos, tendo sido substituído em 1966 pelo 3º CNT (Lei n. 5.108, de 21SET66) e, este se manteve válido por pouco mais de 31 anos, até 22JAN98, quando, então, passou a valer o atual CTB (Lei n. 9.503/98).

Em 31 anos de vigência, o 3º CNT (de 1966), além de ter sido complementado pelo seu Regulamento (Decreto n. 62.127/68), foi alterado por 15 outras Leis [1], o que representou uma frequência bem menor do que o que vem ocorrendo atualmente, já que o CTB em vigor há menos tempo (só 20 anos) já foi alterado por um número maior de Leis, 34, até a 1ª quinzena de dezembro, sendo a mais recente a de n. 13.614/18 (mas já havendo Projeto de Lei definitivamente aprovado em ambas as casas e encaminhado à sanção presidencial – PL n. 1.530/15).

A impressão que dá, ao analisar o número de Leis aprovadas e o tempo de duração delas, é que, assim como o avanço rápido da tecnologia, a norma de conduta viária também deveria acompanhar o mesmo ritmo acelerado de mudanças. Mas será mesmo? Até que ponto é necessário alterar a legislação de trânsito que está estabelecida? É melhor sedimentar uma regra, divulgá-la exaustivamente, fiscalizar o seu cumprimento com rigor, exaurir todas as eventuais dúvidas a seu respeito ou, simplesmente, ficar mudando diante de quaisquer questionamentos que forem surgindo?

Será que PRECISAMOS de alterações legislativas para melhoria da segurança viária? Ao escrever este texto, na data de 17DEZ18, acessei o site da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) e pesquisei os Projetos de Lei em tramitação que contivessem a expressão “Código de Trânsito Brasileiro” na sua ementa ou na indexação, ao que encontrei 854 resultados.

Com certeza, dentre eles há boas ideias e projetos interessantes; todavia, o que muita gente não sabe é que a maior parte destes Projetos será ARQUIVADO no próximo mês, justamente para dar espaço para que os próximos Deputados federais eleitos possam apresentar os seus próprios Projetos no Parlamento; e é justamente isso que quis dizer anteriormente com “desperdício de tempo e dinheiro público”, pois nós, povo, pagamos nossos representantes (e toda a máquina pública) para debater temas que, após alguns meses, ou até anos, acabam sendo jogados fora, PORQUE NÃO HOUVE CONCLUSÃO DO TRABALHO.

Isto porque, de acordo com o artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados:

 

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV - de iniciativa popular;

V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.

 

Ou seja, só NÃO será arquivado o Projeto se, entre outras situações, já tiver parecer FAVORÁVEL de TODAS as Comissões; além disso, mesmo que seja arquivado, poderá ser desarquivado se o autor do Projeto solicitar seu desarquivamento, no prazo de 180 dias; vale destacar, entretanto, que, nesta eleição, 53,2% dos Deputados não foram reeleitos e, por este motivo, não poderão fazer tal solicitação.

No Senado, há previsão semelhante, no artigo 332 de seu Regimento Interno.

Na mudança de legislatura de 2014, a Câmara dos Deputados arquivou nada menos que 11.543 proposições, das quais mais de 300 referiam-se à legislação de trânsito (relatório disponível em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/55a-legislatura/arquivos-atividade-legislativa-2015/proposicoes-arquivadas)

Existem casos bem pitorescos que têm sido arquivados, sistematicamente, de 4 em 4 anos, e que, tendo sido os autores reeleitos, são igualmente desarquivados. Alguns Projetos de Leis mais antigos de alteração do CTB, que foram apresentados POUCOS MESES DEPOIS DE O CÓDIGO ENTRAR EM VIGOR são os PL n. 4.143/98, 4.367/98 e 4.368/98, do Dep Fed Hermes Parcianello, PMDB/PR; o PL 4.355/98, do Dep Fed Coriolano Sales, PDT/BA; o PL 1.042/99, do Dep Fed Antônio Jorge, PFL/TO; o PL 665/99, do Dep Fed Gustavo Fruet, PMDB/PR; e os PL 149/99 e 213/99, do Dep Fed Enio Bacci, PDT/RS.

Há Projetos que até mesmo se colidem com alterações ocorridas recentemente, mas o Poder Legislativo, ao que tudo indica, não “teve condições de perceber” a mudança no CTB: o PL 4.124/98, do Dep Fed Paulo Rocha, do PT/PA, por exemplo, foi apresentado DOZE DIAS DEPOIS QUE O CTB ENTROU EM VIGOR (SIM, ISSO MESMO, DIA 03FEV98), foi aprovado na Câmara, alterado no Senado e retornou para Câmara, mas ATÉ HOJE continua sendo arquivado e desarquivado, em toda mudança de legislatura, sem que se dê a devida finalização no Projeto. Sua proposta pretendia tão somente incluir o inciso XX ao artigo 181, criando infração de trânsito relativa ao estacionamento de veículo em vaga destinada a pessoa com deficiência, e está, desde 2015, pronta para pauta, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (mas a infração já existe, por conta da alteração do CTB dada pela Lei n. 13.281/16).

Sinceramente, não dá para entender o motivo pelo qual Projetos tão antigos (independente da sua pertinência, conveniência e oportunidade, não estou nem entrando no mérito) continuam em tramitação, sem que se dê qualquer destino a eles, enquanto outros “passam simplesmente na frente”.

Ao longo da vigência do CTB, inclusive, das 34 Leis de sua alteração, tivemos 8 (oito) que surgiram de Medidas Provisórias, as quais, se analisadas criteriosamente, nem sempre atenderam aos requisitos da relevância e urgência que deveriam ter cumprido, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal, para que seguissem como MP.

A mais recente, para exemplificar, que foi a 699/15, iniciou-se para tratar da greve de caminhoneiros ocorrida no Brasil em 2015, e acabou por se tornar a Lei que mais alterou o CTB (13.281/16), tratando de assuntos dos mais diversos, desde aumento dos valores de multas de trânsito e períodos da suspensão do direito de dirigir, até regras de notificação eletrônica.

As 8 Leis que se originaram de Medidas Provisórias (e as correspondentes MPs) foram as seguintes: Lei n. 11.705/08 (MP 415/08); Lei n. 12.058/09 (MP 462/09); Lei n. 12.249/10 (MP 472/09); Lei n. 12.865/13 (MP 615/13); Lei n. 12.998/14 (MP 632/14); Lei n. 13.097/15 (MP 656/14); Lei n. 13.154/15 (MP 673/15); e Lei n. 13.281/16 (MP 699/15).

Além desta priorização às Medidas Provisórias (as quais, realmente, se sobrepõem na pauta do processo legislativo), também se destaca outra estranheza, no tocante à alteração do Código de Trânsito Brasileiro, em minha opinião, que foi a criação recente da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n. 8.085/14 do Senado Federal, com o objetivo de criar um “novo Código de Trânsito”.

Minha crítica se deve ao fato de que, não obstante a boa vontade de todos os envolvidos (e, inclusive, dos profissionais que participaram das audiências públicas realizadas), o fato é que, segundo a própria página de acompanhamento da Câmara dos Deputados, o PL possui 184 outros Projetos apensados, o que significa que NÃO contempla TODAS as proposições que atualmente se encontram em tramitação para alteração do CTB; isto é, foram escolhidos alguns Projetos, mas deixaram-se outros de lado; ademais, por incrível que pareça, a propositura que deu origem, que foi a alteração do artigo 158 do CTB (apenas esta mudança), proposta pela Senadora Ana Amélia, simplesmente foi retirada do texto aprovado no relatório disponibilizado à audiência pública pela Comissão (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=749470).

Como este PL originou-se no Senado, NÃO haverá o seu arquivamento, mas centenas de outros terão como destino o arquivo, na conformidade do artigo 105 do RICD. Que os novos Projetos a serem apresentados pelos novos Deputados (e por aqueles que foram reeleitos) tenham começo, meio e fim! Não faz absolutamente qualquer sentido apresentar Projetos com alterações legislativas que não trazem efetiva melhoria para segurança viária e que gastam tempo e dinheiro público, para, depois de meses e anos, serem arquivados por não terem sido concluídos.

NA VERDADE, NÃO PRECISAMOS DE MAIS LEIS!

PRECISAMOS CUMPRIR AS QUE JÁ EXISTEM...

   

São Paulo, 17 de dezembro de 2018.

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.



Decreto-Lei n. 237/67; Decreto-Lei n. 584/69; Decreto-Lei n. 912/69; Lei n. 5.693/71; Lei n. 5.820/72; Lei n. 6.124/74; Lei n. 6.308/75; Lei n. 6.369/76; Lei n. 6.731/79; Lei n. 7.031/82; Lei n. 7.052/82; Lei n. 7.138/83; Decreto-Lei n. 2.448/88; Lei n. 8.052/90; e Lei n. 8.102/90.

 

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