Comentário
Ao prever que os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, podem ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito estadual, este dispositivo está se referindo aos exames destacados no artigo precedente; em suma: exames de aptidão física e mental e avaliação psicológica.
As normas estabelecidas pelo CONTRAN, atualmente em vigor, encontram-se descritas na Resolução n. 425/12 (e suas alterações), sendo estabelecidos tanto os respectivos procedimentos, quanto o credenciamento das entidades interessadas e seus respectivos profissionais.
A formação de condutores e a realização dos exames escrito e de prática de direção veicular, por sua vez, encontram-se regulamentadas pela Resolução do CONTRAN n. 789/20. Como parte integrante do curso teórico de condutores, citada norma incluiu os assuntos exigidos pelo § 1º: “direção defensiva” e “proteção ao meio ambiente”, além das disciplinas “legislação de trânsito”, “primeiros socorros” e “mecânica básica”.
A Permissão para Dirigir, prevista nos §§ 2º, 3º e 4º, foi uma inovação do Código de Trânsito de 1997, não havendo qualquer precedente neste sentido na legislação brasileira. A ideia desta "habilitação provisória" é, justamente, permitir a análise do comportamento seguro dos novos motoristas e constitui uma importante ferramenta para o acompanhamento de sua conduta, na utilização da via pública. Ao término de um ano, não atendido o requisito de não cometimento das infrações elencadas no § 3º, não haverá prazo para se iniciar novo processo de habilitação, mas há a necessidade de se refazê-lo, incluindo as aulas teóricas e práticas.
Em relação ao § 5º, como o dispositivo prevê a possibilidade de o CONTRAN dispensar tais profissionais da prestação do exame de aptidão física e mental, há que se registrar que esta dispensa encontra-se prevista no artigo 4º, § 4º, da Resolução n. 789/20; todavia, o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aviação Civil não substitui a CNH vencida há mais de trinta dias, mas apenas a realização do exame médico para sua renovação.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2020/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Artigo 148-A
Inicialmente, a exigência do exame toxicológico encontrava previsão tão somente em ato normativo, tendo decorrido de uma alteração da Resolução do CONTRAN n. 425/12 (já revogada), por meio da Resolução n. 460/13, a qual incluiu, no inciso III do artigo 4º, mais um exame específico a ser realizado no processo de formação de condutores: o “exame toxicológico de larga janela de detecção para consumo de substâncias psicoativas, exigido quando da adição e renovação da habilitação nas categorias C, D e E”, com critérios estabelecidos no Anexo XIII, também incluído àquela norma de trânsito, com vigência a partir de 01/01/14, o que foi, entretanto, prorrogado para 01/09/14, pela Resolução n. 490/14, mas não chegou a valer de fato.
Após outras prorrogações (e antes mesmo de passar a vigorar), sobreveio, no período, a inclusão do artigo 148-A, pela Lei n. 13.103/15, cujo objetivo específico era tratar dos motoristas profissionais (assim definidos como sendo aqueles que realizam o transporte rodoviário de passageiros ou de cargas), alterando regras quanto ao tempo máximo de direção e mínimo de descanso (o que já tinha sido objeto da Lei n. 12.619/12, conhecida como “lei do descanso”).
Foi assim que, desde o dia 02/03/16, passou a ser obrigatório, em todo o país, a realização de exame toxicológico para o condutor que deseja obter ou renovar a sua Carteira Nacional de Habilitação, nas categorias ‘C’, ‘D’ ou ‘E’.
Muito embora a Lei n. 13.103/15, como apontado, tenha como foco principal a regulação da condução de veículos por motoristas profissionais, o fato é que TODOS os condutores que desejem obter ou renovar a CNH na categoria ‘C’, ‘D’ ou ‘E’ passaram a ser obrigados ao exame toxicológico, ainda que não dirijam veículos de transporte de carga ou coletivo de passageiros e independente de exercerem ou não atividade remunerada, por conta da redação do artigo 148-A do CTB e da Resolução do CONTRAN n. 923/22, que atualmente trata do tema (cujo artigo 10 apenas reitera as categorias de habilitação para as quais se aplica tal exame).
Esta questão é preocupante, do ponto de vista da igualdade jurídica, pois elimina, de pronto, o argumento utilizado por alguns, de que o objetivo principal da exigência seria coibir que caminhoneiros e motoristas de ônibus dirigissem por muito tempo, com o estímulo de substâncias ilícitas.
Da maneira como restou consignado, alguém que tenha a habilitação na categoria ‘C’ tem um tratamento legal diferente daquele que tem categoria ‘B’, apenas pela sua categoria, e mesmo que ambos exerçam a mesma atividade na condução do veículo; por exemplo, dois taxistas, um com categoria ‘C’ e outro com ‘B’, ou dois motofretistas, um com categoria ‘AD’ e outro com ‘AB’.
Destarte, é necessário questionar qual deveria ser o fator de discriminação legal: a maior responsabilidade no trânsito daquele que é profissional ao volante (e que deve cumprir períodos de descanso) ou o fato de se ter uma categoria de CNH, destinada a dirigir veículos de determinada capacidade? (há que se apontar, inclusive, que alguns profissionais necessitam de categoria específica, não obstante não realizarem atividade remunerada com o veículo, como é o caso dos Instrutores de trânsito que ministram aulas práticas para tais categorias).
É fato, inclusive, que muitas pessoas que possuem as categorias ‘C’, ‘D’ ou ‘E’ têm optado por “rebaixar” para categoria ‘B’, para não precisar fazer o exame toxicológico, seja por não necessitar da categoria, seja pelo valor que teria de gastar com o toxicológico, seja, até mesmo, por ser realmente usuário de droga (por este motivo, passou a ser necessário prever como reaver, posteriormente, a categoria que já possuía, o que consta do artigo 6º da Resolução do CONTRAN n. 789/20: “no caso de mudança de categoria, o retorno à categoria anterior dar-se-á assim que cessar a ação causadora da mudança, devendo o condutor submeter-se aos exames previstos para a renovação da referida categoria”).
Apesar destes apontamentos jurídicos, o tempo transcorrido desde o início da exigência tem demonstrado benefícios à segurança viária, não obstante seja possível imaginar que tal consequência decorra, naturalmente, de qualquer medida restritiva para quem pretende conduzir veículo na via pública, já que os comportamentos das pessoas são diretamente influenciados pelas dificuldades que lhes são impostas, direcionando suas escolhas.
Permanece, todavia, o questionamento (comum entre os profissionais de trânsito) se o ideal não seria a fiscalização do consumo de substâncias psicoativas durante a condução do veículo, tendo em vista que alguém ser usuário de substância ilícita não configura óbice para que permaneça com a CNH, desde que não dirija sob o seu efeito; ademais, o problema vai além de permitir que o usuário permaneça ou não habilitado, devendo o Estado agir na prevenção e promoção da saúde e do bem-estar coletivo.
De toda maneira, são formas de atuação do poder público que se complementam, ambas com sua validade na busca de um trânsito mais seguro.
Exame periódico (ou intermediário)
Além da exigência no momento da mudança de categoria de habilitação ou na sua renovação, o § 2º do artigo 148-A estabelece um exame periódico a cada 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, para condutores habilitados nas categorias C, D e E com idade inferior a 70 (setenta) anos, tendo sido criadas, pela Lei n. 14.071/20, duas infrações de trânsito a quem deixar de fazê-lo, havendo, todavia, modificação deste cenário pela Lei n. 14.599/23:
- inicialmente, o caput do art. 165-B trazia a infração por “conduzir veículo para o qual seja exigida habilitação nas categorias C, D ou E sem realizar o exame toxicológico previsto no § 2º do art. 148-A deste Código, após 30 (trinta) dias do vencimento do prazo estabelecido”, o que foi alterado para “dirigir veículo sem realizar o exame toxicológico previsto no art. 148-A deste Código”; e
- o parágrafo único do art. 165-B estabelecia a infração constatada no momento da renovação da CNH (que ficou conhecida como “multa de balcão”), mas foi retirada do CTB, pela Lei n. 14.599/23.
Impedimento para a renovação da habilitação
Os §§ 4º e 5º do artigo 148-A prescrevem o direito à contraprova e de “recurso administrativo” no caso de resultado positivo para o exame, sendo que a reprovação terá como consequência a “suspensão do direito de dirigir” pelo período de 3 (três) meses, que é justamente o tempo da “larga janela de detecção”.
Não vemos como adequado, todavia, denominar este procedimento de “suspensão do direito de dirigir”, pois não se trata da penalidade prevista no artigo 256 e aplicada em consonância com o artigo 261 e somente após o devido processo administrativo (artigo 265); na verdade, o que ocorrerá será um impedimento à renovação da habilitação, enquanto não demonstrar a aptidão para lhe ser concedida a CNH naquela categoria, como ocorreria com qualquer reprovação em algum dos outros exames previstos para a avaliação médica.
Até porque, como há o direito à contraprova, vamos considerar que a pessoa tenha consumido a substância psicoativa há, por exemplo, 60 dias: apesar de constar, na janela de 90 dias, bastaria que esperasse mais um mês e refizesse o exame, para que (teoricamente) desse resultado negativo; assim, não haveria a “suspensão por 3 meses”, além do que, diferentemente do que ocorre com a sanção administrativa que leva este nome, não haverá a obrigatoriedade de realização do curso de reciclagem para que volte a dirigir (como prevê o artigo 268, inciso II).
Outra questão a ser resolvida será a seguinte: suponhamos que a pessoa tenha CNH categoria ‘AC’ e seja reprovada no exame toxicológico quando da renovação de sua habilitação: por qual motivo ela não poderá continuar conduzindo veículos para os quais se exige apenas a categoria ‘A’? Ainda que seja lógico imaginar que, independente do veículo, não é adequado que alguém que consome drogas regularmente esteja por aí dirigindo na via pública, onde estará a aplicação do princípio isonômico, ao não tratar da mesma forma aquele que tem apenas a categoria ‘A’ e, por este motivo, não se submeta ao exame toxicológico?
Por fim, entendemos que, nem a inclusão da expressão “sem efeito suspensivo” (no § 4º, ao se referir à possibilidade de recurso administrativo no caso de resultado positivo em exame toxicológico), nem a inclusão da infração de trânsito do artigo 165-B (a qual prevê como penalidade, além da multa, a suspensão do direito de dirigir por três meses, esta no caso de reincidência) foram capazes de resolver o problema, pois, ao se tomar a suspensão do direito de dirigir por três meses como penalidade (e não como impedimento para renovação da habilitação), é insuperável, em obediência ao artigo 265, a prévia instrução de processo administrativo assegurado amplo direito de defesa.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano desde 1996; Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito desde 2019; Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 148
Capítulo XIV - DA HABILITAÇÃO
Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.
§ 1º A formação de condutores deverá incluir, obrigatoriamente, curso de direção defensiva e de conceitos básicos de proteção ao meio ambiente relacionados com o trânsito.
§ 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano.
§ 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.
§ 4º A não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no parágrafo anterior, obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação.
§ 5º O Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN poderá dispensar os tripulantes de aeronaves que apresentarem o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aeronáutica Civil, respectivamente, da prestação do exame de aptidão física e mental.
(§ 5º incluído pela Lei n. 9.602/98)
Art. 148-A.
Os condutores das categorias C, D e E deverão comprovar resultado negativo em exame toxicológico para a obtenção e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação.
(Redação do caput dada pela Lei n. 14.071/20, em vigor a partir de 12ABR21)
§ 1º O exame de que trata este artigo buscará aferir o consumo de substâncias psicoativas que, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção e deverá ter janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, nos termos das normas do Contran.
§ 2º Além da realização do exame previsto no caput deste artigo, os condutores das categorias C, D e E com idade inferior a 70 (setenta) anos serão submetidos a novo exame a cada período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a partir da obtenção ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação, independentemente da validade dos demais exames de que trata o inciso I do caput do art. 147 deste Código.
§ 3º (Revogado pela Lei n. 14.071/20, em vigor a partir de 12ABR21)
§ 4º É garantido o direito de contraprova e de recurso administrativo, sem efeito suspensivo, no caso de resultado positivo para os exames de que trata este artigo, nos termos das normas do Contran.
§ 5º O resultado positivo no exame previsto no § 2º deste artigo acarretará ao condutor:
I - (VETADO); e
II - a suspensão do direito de dirigir pelo período de 3 (três) meses, condicionado o levantamento da suspensão à inclusão no Renach de resultado negativo em novo exame, vedada a aplicação de outras penalidades, ainda que acessórias.
(Redação dos §§ 2º a 5º dada pela Lei n. 14.071/20, em vigor a partir de 12ABR21)
§ 6º O resultado do exame somente será divulgado para o interessado e não poderá ser utilizado para fins estranhos ao disposto neste artigo ou no § 6º do art. 168 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
§ 7º O exame será realizado, em regime de livre concorrência, pelos laboratórios credenciados pelo órgão máximo executivo de trânsito da União, nos termos das normas do Contran, vedado aos entes públicos: (Redação dada pela Lei nº 14.440, de 2022)
I - fixar preços para os exames; (Incluído pela Lei nº 13.103, de 2015)
II - limitar o número de empresas ou o número de locais em que a atividade pode ser exercida; e (Incluído pela Lei nº 13.103, de 2015)
III - estabelecer regras de exclusividade territorial. (Incluído pela Lei nº 13.103, de 2015)
§ 8º A não realização do exame previsto neste artigo acarretará ao condutor:
I - nos casos de que trata o caput deste artigo, o impedimento de obter ou de renovar a Carteira Nacional de Habilitação até que seja realizado o exame com resultado negativo e a aplicação das sanções previstas no art. 165-B deste Código; e
II - no caso do § 2º, a aplicação das sanções previstas no § 5º deste artigo e nos arts. 165-B e 165-D deste Código, conforme a irregularidade verificada.
§ 9º Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União comunicar aos condutores, por meio do sistema de notificação eletrônica de que trata o art. 282- A deste Código, o vencimento do prazo para a realização do exame com 30 (trinta) dias de antecedência, bem como as penalidades decorrentes da sua não realização.
(Artigo 148-A incluído pela Lei n. 13.103/15)