Comentário
Este comportamento acintoso pode vir a caracterizar também um dos crimes de trânsito previstos no Capítulo XIX do CTB, como, por exemplo, a condução do veículo com alteração da capacidade psicomotora por efeito de álcool ou outra substância psicoativa (art. 306), a participação em competição não autorizada na via pública (art. 308) ou a velocidade incompatível com a segurança nos locais de grande aglomeração de pessoas (art. 311).
Caso não se enquadre como crime de trânsito, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à possibilidade (ou não) de, subsidiariamente, se configurar a contravenção penal do artigo 34 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/41), que assim dispõe: “Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia” (há o entendimento corrente de sua derrogação, quanto ao acontecimento em via pública).
No caso da ameaça a pedestre, não se pode confundir com as infrações estabelecidas nos cinco incisos do artigo 214, por deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado, em determinadas situações (ou seja, o simples fato de não dar preferência é infração do artigo 214, enquanto o artigo 170 pune aquele que é mais agressivo e, por exemplo, “joga o carro” contra o pedestre, durante a travessia).
São exemplos deste enquadramento:
- Condutor intencionalmente intimida pedestre que esteja atravessando a via:
* com intuito de assustar o pedestre ou apressar a sua travessia, acelera o veículo parado junto ao semáforo, ameaçando arrancar, independentemente da fase semafórica;
* muda repentinamente o rumo do veículo em direção ao pedestre.
Em relação à ameaça aos “demais veículos”:
- Condutor intencionalmente intimida outro condutor:
* acelerando o veículo parado junto ao semáforo, ameaçando arrancar, com intuito de apressar condutor do veículo à sua frente;
* mudando repentinamente o rumo do veículo em direção a outro, ameaçando abalroá-lo ou tomar a sua frente (“cortar”, “fechar”);
* perseguindo um veículo com o intuito de interceptá-lo.
Em todos os casos, é importante que o agente da autoridade de trânsito lance, no campo de observações do auto de infração, qual foi a conduta efetivamente constatada, a fim de que não restem dúvidas sobre o cometimento da infração de trânsito.
Quanto à medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, o novo Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução do CONTRAN n. 985/22) prevê que deve ser aplicada pela autoridade de trânsito após o processo de suspensão do direito de dirigir (e não de imediato pelo agente, no momento da fiscalização), tendo em vista que o artigo 269 prescreve a competência de ambos, diante do que o Manual estabeleceu QUEM e QUANDO deve adotá-la.
O procedimento foi assim padronizado, em especial por três motivos:
1º) a CNH é um documento de identidade, que não pode ser retido, conforme Lei n. 5.553/68;
2º) para não antecipar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, que depende de processo administrativo, garantindo-se o direito à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal e artigo 265 do CTB); e
3º) o recolhimento de imediato, além de criar um ônus desnecessário ao órgão fiscalizador, tornou-se inócuo, com a adoção do documento de habilitação em formato digital.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano desde 1996; Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito desde 2019; Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 170
Capítulo XV - DAS INFRAÇÕES
Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa - retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.