Comentário
A inserção dos Municípios no Sistema Nacional de Trânsito (SNT) foi uma das principais inovações do atual Código de Trânsito Brasileiro, constituindo a chamada “municipalização do trânsito”. As competências dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios estão delineadas no artigo 24, sendo necessário, entretanto, que ocorra a sua integração formal ao SNT, conforme regras do Conselho Nacional de Trânsito (de acordo com o estabelecido no § 2º deste dispositivo e artigo 333, das disposições finais do CTB).
Para que o Município esteja em condições de assumir estas competências, estabelece o CONTRAN, por meio da Resolução n. 811/20, basicamente, que devem ser criados mecanismos capazes de exercer cinco grandes funções (o que pode ser realizado por meio de órgão ou entidade executivo de trânsito ou diretamente por meio da prefeitura municipal, conforme atual previsão do § 2º deste dispositivo): fiscalização de trânsito (que pode ser efetuada mediante o emprego de agentes próprios e/ou por convênio com a Polícia Militar, nos termos do artigo 23 e/ou por convênio com a Guarda Municipal, conforme artigo 5º, inciso VI, da Lei n. 13.022/14); educação de trânsito; engenharia de tráfego; controle e análise de estatística; e julgamento de recursos administrativos contra penalidades aplicadas (constituição de sua JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infrações).
A partir de sua integração, existem competências que são privativas dos órgãos municipais, como o planejamento e regulamentação do trânsito (inciso II), a implantação da sinalização de trânsito (inciso III) e a implantação, manutenção e operação do sistema de estacionamento rotativo, conhecido como “zona azul” (inciso X).
Quanto ao exercício da fiscalização de trânsito, podemos dizer que se trata de atribuição compartilhada, posto que os órgãos estaduais de trânsito (Detrans) permanecem com tal incumbência nas vias públicas de qualquer município, ainda que existam algumas competências privativas de ambos os órgãos.
Neste sentido, destaca-se mudança bastante significativa promovida pela Lei n. 14.599/23: a revogação dos incisos VII e VIII, a alteração do inciso VI e a inclusão dos §§ 3º e 4º mudaram completamente o cenário de fiscalização de trânsito, em relação à distribuição de competências nas vias urbanas: a partir desta alteração (em vigor desde 20JUN23), os órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (Detrans), por meio de seus agentes próprios ou por força de convênio com as Polícias Militares, passaram a ser responsáveis, privativamente, apenas pelas infrações previstas nos artigos 233, 240, 241, 242, 243 e § 5º do artigo 330 (também é mencionado o 165-D, mas este foi vetado); enquanto que os órgãos municipais possuem competência privativa para as infrações dos artigos 95, 181, 182, 183, 218, 219, incisos V e X do 231, 245, 246 e 279-A (este último, não é propriamente uma infração, mas refere-se aos veículos abandonados). TODAS AS OUTRAS INFRAÇÕES passaram a ser de competência concorrente, podendo ser fiscalizadas tanto pelo Estado quanto pelo Município, sem a necessidade de elaboração de convênios entre eles (como vinha ocorrendo até então, em alguns Estados).
Outra questão que merece apontamento é que, nas infrações de trânsito fiscalizadas pelo órgão municipal e que prevejam a penalidade de suspensão do direito de dirigir, o mesmo órgão passou a ter competência para ambas as penalidades, mas somente a partir de 01/01/24 (inciso XXII, incluído pela Lei n. 14.071/20, com prazo estabelecido pelo artigo 338-A, incluído pela Lei n. 14.229/21).
O inciso VI do artigo 24, com redação dada pela Lei n. 13.281/16, contemplava a competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, para “executar a fiscalização de trânsito em vias terrestres, edificações de uso público e edificações privadas de uso coletivo, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis e as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do poder de polícia de trânsito, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar, exercendo iguais atribuições no âmbito de edificações privadas de uso coletivo, somente para infrações de uso de vagas reservadas em estacionamentos”.
Tal redação estava PÉSSIMA (e a mesma distorção acabou sendo transferida para o § 3º pela Lei n. 14.599/23), pois, com a alteração do artigo 2º, parágrafo único, pela Lei n. 13.146/15, passaram a ser consideradas vias terrestres, sujeitas à aplicação INTEGRAL do CTB, as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo, não havendo distinção quanto a qual tipo de infração pode ser fiscalizada nestes locais.
Como não houve modificação no parágrafo único do artigo 2º, sua interpretação em conjunto com o § 3º do artigo 24 nos exige concluir que o órgão municipal de trânsito somente pode fiscalizar a utilização irregular de vagas reservadas em estacionamentos privados (não podendo aplicar penalidades por outras infrações que constatar naquele espaço particular); por outro lado, o órgão estadual de trânsito tem total possibilidade de fiscalizar as infrações que sejam de sua competência legal (agora ampliadas).
Destaca-se, finalmente, a possibilidade de elaboração de convênio entre os órgãos de trânsito, para delegação das competências que ainda permaneceram privativas, nos termos do parágrafo único do artigo 24-A, combinado com artigo 25.
24 -A
Este artigo, incluído pela Lei n. 14.599/23, reforça as modificações realizadas nos artigos 22 e 24, quanto à distribuição de competências de fiscalização de trânsito nas vias urbanas, deixando expresso que, excetuadas as competências privativas, todas as outras infrações poderão ser fiscalizadas tanto pelo Estado quanto pelo Município. Além disso, nas privativas, permanece a possibilidade de convênio de delegação entre os entes federativos.
Competência privativa de fiscalização dos órgãos estaduais: infrações dos artigos 233, 240, 241, 242, 243 e § 5º do artigo 330 (também é mencionado o 165-D, mas este foi vetado).
Competência privativa de fiscalização dos órgãos municipais: infrações dos artigos 95, 181, 182, 183, 218, 219, incisos V e X do 231, 245, 246 e 279-A (este último, não é propriamente uma infração, mas refere-se aos veículos abandonados).
TODAS AS OUTRAS INFRAÇÕES passaram a ser de competência concorrente, podendo ser fiscalizadas tanto pelo Estado quanto pelo Município, sem a necessidade de elaboração de convênios entre eles (como vinha ocorrendo até então, em alguns Estados).
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano desde 1996; Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito desde 2019; Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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