Comentário
O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito - MBFT, instituído pela Resolução do CONTRAN n. 925/22, define a retenção do veículo como sendo a “sua imobilização no local da abordagem, para a solução de determinada irregularidade”.
Apesar de a lógica nos levar ao entendimento de que a retenção do veículo seria medida administrativa aplicável apenas às irregularidades de fácil solução, no local da infração, o Código estabelece tal consequência jurídica também para infrações de trânsito de difícil correção pelo condutor, como é o caso, por exemplo, do veículo com a cor ou característica alterada (artigo 230, inciso VII); portanto, o que importa não é a facilidade (ou não) de se resolver o problema, mas a expressa previsão legal desta medida administrativa, em cada tipo infracional.
Num primeiro momento, o MBFT inovou o tratamento jurídico aos casos de impossibilidade de se sanar a falha no local da infração, tendo em vista que, pela antiga redação do § 2º do artigo 270 do CTB, o veículo deveria sempre ser liberado a condutor regularmente habilitado (normalmente, o próprio abordado), mediante o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual; todavia, segundo o Manual de Fiscalização, esta liberação somente poderia ocorrer desde que não ofereça risco à segurança do trânsito, o que passou a constituir uma importante ferramenta para que não se liberasse veículo sem qualquer condição de tráfego (vale ressaltar que a condução do veículo em mau estado, comprometendo a segurança, é infração que prevê, justamente, a retenção do veículo – artigo 230, inciso XVIII). Tal regra, inicialmente prevista somente em ato normativo (MBFT), passou a constar do próprio CTB, com a alteração do § 2º do artigo 270, pela Lei n. 13.160/15. Com a mais recente alteração do § 2º do artigo 270, trazida pela Lei n. 14.071/20, a expressão “poderá ser liberado” foi substituída por “deverá ser liberado”, deixando explícito que o veículo retido, “desde que ofereça condições de segurança para circulação”, será liberado (com prazo não superior a trinta dias para regularizar a situação) mediante recolhimento do CLA.
Além disso, prevê também o Manual que “Havendo comprometimento da segurança do trânsito, considerando a circulação, o veículo, o condutor, os passageiros e os demais usuários da via, ou o condutor não sinalizar que regularizará a infração, a retenção poderá ser transferida para local mais adequado ou para o depósito do órgão ou entidade de trânsito”.
Entendemos que optar por sanar ou não a irregularidade no local da infração é um direito do infrator (obviamente, respeitado o princípio da razoabilidade), que, como tal, será ou não exercido de acordo com sua conveniência. Trata-se de conduta abusiva por parte da autoridade de trânsito ou do agente de trânsito obrigar o infrator a sanar a irregularidade no local, bem como proibi-lo de fazê-lo. Ainda nesse sentido, não disponibilizar ao infrator tempo razoável para sanar a irregularidade equivale a proibi-lo de saná-la.
Embora o § 2º estabeleça que, ao se recolher o CLA, o agente de trânsito deve estipular prazo (não superior a trinta dias) para a regularização, para posterior vistoria, é de se frisar que, até o presente momento, não há qualquer regulamentação específica a respeito, determinando-se como este prazo deve ser concedido (nem tampouco se será válido o recibo de recolhimento, como substituto temporário do documento de porte obrigatório).
O § 4º, que estipula regra a ser seguida quando não se apresentar condutor habilitado, somente é aplicável para aquelas infrações que, obviamente, estabelecem que a retenção deve ocorrer até a apresentação de outro condutor, o que ocorre em apenas 7 (sete) infrações de trânsito: artigo 162, I (sem possuir CNH); 162, II (habilitação suspensa ou cassada); 162, III (categoria diferente); 162, V (exame médico da CNH vencido há mais de 30 dias); 162, VI (não observância das restrições da CNH); 165 (dirigir sob a influência de álcool); e 165-A (recusa à submissão dos testes de alcoolemia).
A Lei n. 13.281/16 também modificou a redação do § 4º, ao tratar da retenção do veículo, que passou a ter a seguinte redação: “Não se apresentando condutor habilitado no local da infração, o veículo será removido a depósito, aplicando-se neste caso o disposto no art. 271”. A alteração se deu apenas na menção final ao artigo 271 (relativo à remoção do veículo), pois constava a referência ao artigo 262 (apreensão do veículo), o qual foi revogado.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 270
Capítulo XVII - DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS
O veículo poderá ser retido nos casos expressos neste Código.
§ 1º Quando a irregularidade puder ser sanada no local da infração, o veículo será liberado tão logo seja regularizada a situação.
§ 2º Quando não for possível sanar a falha no local da infração, o veículo, desde que ofereça condições de segurança para circulação, deverá ser liberado e entregue a condutor regularmente habilitado, mediante recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual, contra apresentação de recibo, assinalando-se ao condutor prazo razoável, não superior a 30 (trinta) dias, para regularizar a situação, e será considerado notificado para essa finalidade na mesma ocasião.
§ 3º O Certificado de Licenciamento Anual será devolvido ao condutor no órgão ou entidade aplicadores das medidas administrativas, tão logo o veículo seja apresentado à autoridade devidamente regularizado.
§ 4º Não se apresentando condutor habilitado no local da infração, o veículo será removido a depósito, aplicando-se neste caso o disposto no art. 271. (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016)
§ 5º A critério do agente, não se dará a retenção imediata, quando se tratar de veículo de transporte coletivo transportando passageiros ou veículo transportando produto perigoso ou perecível, desde que ofereça condições de segurança para circulação em via pública.
§ 6º Não efetuada a regularização no prazo a que se refere o § 2º, será feito registro de restrição administrativa no Renavam por órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, que será retirada após comprovada a regularização. (Incluído pela Lei nº 13.160, de 2015)
§ 7º O descumprimento das obrigações estabelecidas no § 2º resultará em recolhimento do veículo ao depósito, aplicando-se, nesse caso, o disposto no art. 271. (Incluído pela Lei nº 13.160, de 2015)