Comentário
Os exames mencionados no artigo 277 estão detalhados na Resolução do CONTRAN nº 432/13 e podem ser assim resumidos:
I) exame de sangue;
II) exame em laboratórios especializados, para substâncias psicoativas;
III) teste de ar alveolar (pelo equipamento denominado etilômetro, vulgo “bafômetro”); e
IV) verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora (por exame clínico realizado pelo médico perito ou pela constatação objetiva do agente de trânsito).
São os seguintes os sinais de alteração da capacidade psicomotora, previstos na Resolução nº 432/13:
I) Quanto à aparência: sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito;
II) Quanto à atitude: agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão;
III) Quanto à orientação: sabe onde está?, sabe a data e a hora?;
IV) Quanto à memória: sabe seu endereço?, lembra dos atos cometidos?;
V) Quanto à capacidade motora e verbal: dificuldade no equilibro, fala alterada.
Como se vê, trata-se de uma análise extremamente subjetiva e que deveria ser melhorada, já que o § 2º, com a redação dada pela Lei nº 12.760/12, estabelece a competência do CONTRAN, para que indique quais são os sinais que efetivamente demonstram a alteração da capacidade psicomotora do condutor (o que vai muito além de aspectos relativos à vestimenta ou à atitude do averiguado, às vezes própria da sua personalidade).
O § 3º do artigo 277, incluído pela Lei nº 11.705/08 (conhecida como “lei seca”) estabeleceu, inicialmente, a possibilidade de aplicação, ao condutor que se RECUSAR aos exames de alcoolemia, das mesmas penalidades e medidas administrativas cabíveis ao infrator que, comprovadamente, estiver dirigindo veículo sob influência de álcool (artigo 165), o que, constantemente, é motivo de questionamento, durante a fiscalização de trânsito (inclusive com Ação Direta de Inconstitucionalidade, em trâmite no Supremo Tribunal Federal – ADI 4103). Após novembro de 2016, passamos a ter uma infração específica, como se verá a seguir.
O principal argumento contrário à “multa pela recusa” decorre da máxima de que “ninguém é obrigado a criar prova contra si mesmo”, o que costuma ser mencionado como uma garantia constitucional, ao que aproveito para prestar os seguintes esclarecimentos:
1º) Não há, na Constituição Federal, disposição EXPRESSA com este teor;
2º) Este pretenso direito decorre, na verdade, do direito de não-incriminação e do princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), complementado pelo artigo 8º, 2, g) do Pacto de São José, firmado em Costa Rica (também conhecido como Convenção Interamericana de Direitos Humanos), segundo o qual “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: .... direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”; (importante notar que se trata de um direito que visa impedir a confissão mediante tortura, para que ninguém seja OBRIGADO a DEPOR contra si mesmo).
3º) Apesar deste tratado internacional, do qual o Brasil é signatário, versar sobre direitos e garantias fundamentais, sua validade no Brasil NÃO É equivalente às Emendas constitucionais, tendo em vista NÃO ter sido aprovado pelo quórum privilegiado previsto no § 3º do artigo 5º da CF/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (incluído pela Emenda Constitucional n. 45/04).
O assunto é polêmico e, obviamente, não se encerra nestes simples comentários, sendo conveniente alertar apenas que a realização dos exames de alcoolemia é, antes de uma OBRIGAÇÃO, um DIREITO de todo cidadão, para demonstrar que não se encontra sob influência de álcool; ou seja, em vez de se dizer que o motorista “não é obrigado a criar prova contra si mesmo”, prefiro defender a ideia de que ele tem “o direito de criar prova que o favoreça”.
Apesar de o Departamento Nacional de Trânsito ter estabelecido até mesmo um código de enquadramento específico para esta conduta, para fins de lavratura do auto de infração e correspondente expedição das notificações de trânsito (Portarias n. 219/14 e, atualmente, 03/16), diferenciando-o do processamento da multa por alcoolemia, o fato é que algumas pessoas alegavam que o § 3º do artigo 277 não era, propriamente, uma infração de trânsito, pelo simples motivo de não constar do Capítulo XV do CTB (alegação esta facilmente contestável, já que não se trata do único caso, o que também ocorre com a previsão expressa de sanção pecuniária a ser aplicada à publicidade irregular, à realização de obra ou evento sem autorização, ou à falta de escrituração dos livros de controle de placas de experiência, previstos, respectivamente, nos artigos 77-E, 95 e 330).
De toda forma, para regularizar a questão, o legislador optou por criar o artigo 165-A (Lei nº 13.281/16), que passou a punir aquele que “Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277”, com as mesmas consequências jurídicas atribuídas ao condutor que se encontra sob influência de álcool. Assim, passamos a ter duas condutas distintas, formalmente previstas no Capítulo destinado às infrações de trânsito: a de influência de álcool (ou substância psicoativa) e a de recusa aos exames.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 277
Capítulo XVII - DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS