CTB Digital

CTB Digital

Comentário

O processo administrativo de trânsito, previsto no Capítulo XVIII do CTB e inaugurado pelo procedimento previsto no artigo 280, encontra-se complementado, de maneira mais detalhada, na Resolução do CONTRAN n. 918/22.

A elaboração do auto de infração (ou autuação) é o registro formal de um fato típico, devidamente comprovado pela autoridade de trânsito, agente ou equipamento previamente regulamentado pelo CONTRAN, para a correspondente imposição da sanção administrativa cabível (em especial a penalidade de multa).

Trata-se de um ato administrativo vinculado, pois está restrito aos limites da lei, que determina a sua lavratura em toda ocorrência de infração (não há, portanto, liberdade de escolha, situação em que o Direito denomina de ato discricionário; com o advento do CTB e a extinção da penalidade de advertência verbal, a autuação sempre será compulsória diante da infração de trânsito constatada, ainda que, posteriormente, a autoridade de trânsito aplique a penalidade de advertência por escrito, em substituição à multa, nos termos do artigo 267). Em outras palavras, não cabe ao agente da autoridade de trânsito escolher se quer (ou não) autuar determinado infrator de trânsito; tal providência é exigência legal.

Vale lembrar que, à luz do princípio da eficiência, obviamente, cabe ao agente da autoridade de trânsito, ao operar o trânsito, empenhar-se em, sempre que possível, antecipar-se à prática infracional, evitando, por exemplo, que se estacione em local proibido pela sinalização (ou qualquer outra infração que esteja prestes a acontecer).

O CONTRAN delegou, por meio da Resolução n. 217/06, competência ao órgão máximo executivo de trânsito da União para estabelecer os campos de preenchimento das informações do auto de infração. Desta forma, além dos incisos I a VI do artigo 280, há que se observar o disposto na Portaria da SENATRAN n. 354/22, que padroniza os campos que devem existir no impresso do auto de infração, discriminando, ainda, os de preenchimento obrigatório. Quanto às características do veículo, por exemplo, a regulamentação em vigor exige apenas a placa, marca e espécie, não havendo obrigatoriedade de consignar outros elementos de identificação, como modelo e cor.

Merece destaque o inciso VI do artigo 280, que prevê a validade da assinatura do infrator como notificação do cometimento da infração. A assinatura, frise-se, não é obrigatória (nem tampouco admissão de culpa), mas, toda vez que se fizer presente no auto de infração, desobriga o órgão ou entidade de trânsito a expedir a notificação da autuação no prazo de trinta dias, como prevê o artigo 281, parágrafo único, inciso II, do CTB (ainda que inexigível o prazo, o documento deve ser enviado ao proprietário do veículo, para sua ciência) – de acordo com o artigo 3º, § 5º, da Resolução n. 918/22, a assinatura do infrator só valerá como notificação da autuação, se o condutor também for proprietário do veículo e, ainda, se constar, do auto de infração, o prazo para apresentação da defesa da autuação.

Existem, conforme § 2º, três formas de comprovação de uma infração de trânsito:

1ª – declaração da autoridade de trânsito (dirigente máximo de órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário, ou pessoa por ele expressamente credenciada);

2ª – declaração do agente da autoridade de trânsito (agente de trânsito e policial rodoviário federal que atuam na fiscalização, no controle e na operação de trânsito e no patrulhamento, competentes para a lavratura do auto de infração e para os procedimentos dele decorrentes, incluídos o policial militar ou os agentes referidos no art. 25-A deste Código, quando designados pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, mediante convênio, na forma prevista neste Código); ou

3ª – equipamentos previamente regulamentados pelo CONTRAN, que podem ser metrológicos (realizam medição), como é o caso dos equipamentos medidores de velocidade (conhecidos como radares) e dos etilômetros, ou, ainda, não metrológicos (que tão somente constatam a conduta infracional, como ocorre com os sistemas detectores de avanço de sinal vermelho do semáforo ou utilização de faixa exclusiva).

Nas duas primeiras hipóteses acima, a autoridade de trânsito e seus agentes não podem presumir a ocorrência de prática infracional. Por exemplo, não é possível, ao se constatar um veículo já estacionado na contramão de direção (infração do artigo 181, XV), autuá-lo também por transitar pela contramão de direção (infração do artigo 186, I ou II), presumindo-se a prática desta última infração.

Por outro lado, o fato de a prática infracional ter cessado não impossibilita a lavratura do AIT. Por exemplo, o condutor inabilitado que, ao ser observado pelo agente da autoridade de trânsito, troca de lugar no veículo com passageiro devidamente habilitado, deverá ser normalmente autuado, pois a infração (artigo 162, I), momentos antes, foi regularmente constatada.

A “autuação em flagrante”, mencionada no § 3º, é costumeiramente entendida como sendo sinônimo de “autuação mediante abordagem”, o que foi, finalmente, esclarecido pelo novo Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução do CONTRAN n. 985/22), nos seguintes termos:

 

“Para fins do contido no § 3º do art. 280 e no § 6º-A do art. 282, ambos do CTB, considera-se em flagrante quem está cometendo a infração de trânsito ou acaba de cometê-la, com ou sem abordagem.”

 

Isto é, o fato de ter realizado ou não a abordagem nada tem a ver com “autuação em flagrante”, pois esta pode ocorrer COM ou SEM abordagem, o que é, inclusive, tratado em cada ficha de fiscalização do MBFT (de forma geral, exige-se a abordagem, como condição para autuação, naquelas situações em que somente após abordar é possível saber se a infração aconteceu); assim, se o agente conseguiu visualizar que a infração ocorreu, mesmo sem abordagem, a autuação é plenamente válida.

Destarte, a disposição do § 3º diz respeito àquelas autuações que são elaboradas por infração que não esteja em situação de flagrância, em analogia ao Direito penal (está sendo cometida naquele momento ou acabou de acontecer): são as chamadas “multas de balcão”, em que a infração é constatada, posteriormente, pelo órgão de trânsito (por exemplo, a prevista no artigo 233, pela não transferência do veículo em 30 dias).

De acordo com o § 4º, o agente da autoridade de trânsito poderá ser servidor civil (de carreira) que trabalhe no órgão ou entidade de trânsito e seja credenciado pela autoridade de trânsito (conforme definição do Anexo I do CTB).

É possível, mediante convênio (artigo 25), que a autoridade de trânsito se utilize do conjunto de agentes de trânsito de outro órgão ou entidade do SNT, credenciando-o para atuar como seu próprio corpo de agentes.

Contudo, carece de lastro legal convênio firmando por órgão ou entidade de trânsito que transfira a órgão não pertencente ao SNT competências afetas aos agentes de trânsito.

Assim, por exemplo, não pode o órgão ou entidade executivo de trânsito municipal, mediante convênio, credenciar os professores ou os médicos da rede pública municipal como agentes da autoridade de trânsito, ainda que passem a ter dedicação exclusiva às atribuições inerentes ao cargo de agente de trânsito. Nesse sentido, é o enunciado da Súmula do STF nº 685: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se,  em prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.”.

Já as guardas municipais apresentam outro cenário: originariamente não pertenciam ao SNT (nos termos do art. 7º do CTB), porém a Lei nº 13.022, de 08 de agosto de 2014, dispõe sobre a possibilidade de que possam exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos do CTB, ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal.

Em relação à PM, basta que, mediante convênio (artigo 23, III), os policiais militares sejam designados pela autoridade de trânsito. Quanto a convênios com a Polícia Militar, o exemplo mais rico é o da PM/MG que fiscaliza infrações de trânsito de competência do DETRAN/MG; da BHTrans; do DER/MG; e da PRF e da ANTT (em algumas rodovias federais que cortam aquele Estado).

 

Novidades da Lei n. 14.599/23:

Foi incluído § 6º, para estabelecer que NÃO HÁ INFRAÇÃO de circulação, parada ou estacionamento relativa aos veículos de emergência, ainda que não identificados ostensivamente, ou seja, não haverá nem mesmo a necessidade de acionamento dos dispositivos (sonoro e luminoso), tampouco a comprovação de serviço de urgência, de policiamento ostensivo ou de preservação da ordem pública, como prevê o inciso VII do artigo 29, para garantir as prerrogativas.

A nova regra amplia o disposto no atual Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução do Contran n. 985/22), que se referia apenas à constatação fotográfica de equipamentos fixos.

Agora, NÃO HÁ NENHUMA INFRAÇÃO cometida por estes veículos, quando relacionada à circulação, parada ou estacionamento; todavia, entendemos que a infração deve ter relação com a prestação específica do serviço, não alcançando, por exemplo, infrações como falta de licenciamento, uso do telefone celular ou não utilização do cinto de segurança.

O Projeto de Lei de Conversão aprovado no Congresso Nacional também havia incluído o § 5º, para prever que os convênios de trânsito só poderiam ser celebrados para fiscalização efetuada por agente da autoridade de trânsito conceituado no CTB (conforme alteração da Lei n. 14.229/21), o que excluiria convênios com as Guardas Municipais, mas este parágrafo foi vetado pelo Presidente da República e, portanto, permanece em total vigência o disposto no artigo 5º, inciso VI, da Lei n. 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas).

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano desde 1996; Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito desde 2019; Assessor da Associação Nacional dos Detrans desde 2021; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

Autor:

    Os comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Empresa.

    É estritamente proibido o uso e/ou publicação desse material, em qualquer meio, sem permissão expressa e escrita do autor do comentário.

Art. 280

Capítulo XVIII - DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

I - tipificação da infração;

II - local, data e hora do cometimento da infração;

III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;

IV - o prontuário do condutor, sempre que possível;

V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;

VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.

§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

§ 5º (VETADO).

§ 6º Não há infração de circulação, parada ou estacionamento relativa aos veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, aos de polícia, aos de fiscalização e operação de trânsito e às ambulâncias, ainda que não identificados ostensivamente
 

AS IMAGENS EXIBIDAS SÃO MERAMENTE ILUSTRATIVAS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. ATUALIZADO EM: 20/09/2017. POWERED BY TOTALIZE INTERNET STUDIO.  Site map