Comentário
Após a lavratura do auto de infração, na forma estabelecida pelo artigo 280, a segunda etapa do processo administrativo de trânsito consiste no julgamento de sua consistência, para a aplicação da penalidade cabível.
Antes, entretanto, de ser efetivamente imposta a penalidade de multa, caberá à autoridade de trânsito (dirigente máximo de órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário, ou pessoa por ele expressamente credenciada) verificar se o auto de infração apresenta a regularidade formal necessária e, caso positivo, deverá emitir uma notificação da autuação, para o proprietário do veículo, a fim de que ele possa manifestar-se sob dois aspectos:
I) indicar o condutor, nas infrações de sua responsabilidade (nos termos do artigo 257); e
II) apresentar a defesa da autuação (defesa prévia), para que a multa não seja aplicada.
Até 2003, o procedimento adotado pela maioria dos órgãos de trânsito e rodoviários era emitir uma única notificação, que, ao mesmo tempo, atendia à exigência do artigo 281, parágrafo único, inciso II (notificação da autuação) e já estabelecia prazo para o pagamento da multa (artigo 282), não havendo, portanto, qualquer espaço para uma “defesa prévia à imposição da penalidade”.
Com a Resolução do CONTRAN n. 149/03, publicada em 13/10/03 e com prazo de 180 dias de adequação (atualmente, o assunto é tratado pela Resolução n. 918/22), o processo administrativo de trânsito passou a obrigar a expedição de dupla notificação, em fases distintas e separadas entre si, surgindo, de forma expressa, a mencionada defesa da autuação (o artigo 9º da Resolução n. 918/22 permite, inclusive, que seja apreciado o mérito da infração cometida, e não apenas os aspectos formais do auto lavrado).
O artigo 281 aponta duas questões fundamentais, para que a multa de trânsito seja imposta pelo órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário, no âmbito de sua circunscrição e de acordo com as suas competências:
A primeira diz respeito à formalidade do auto de infração, que deve atender aos requisitos previstos na Portaria da SENATRAN n. 354/22, sendo que a inconsistência ou irregularidade da autuação deve ser reconhecida, de ofício, pelo dirigente do órgão ou entidade; assim, caso o agente da autoridade de trânsito, após autuar um infrator, perceber que houve um equívoco no preenchimento ou na análise da conduta flagrada, deverá solicitar à autoridade que seja promovido o arquivamento do auto (ou seja, a competência legal para cancelamento de uma autuação irregular é sempre da autoridade de trânsito e não do agente fiscalizador).
A segunda questão relaciona-se ao prazo máximo de trinta dias, para que seja expedida a notificação da autuação, exigência sobre a qual apresentamos três explicações adicionais:
I) quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracteriza pela entrega da notificação à empresa responsável pelo seu envio (artigo 30, I, da Resolução n. 918/22);
II) não incidirá este prazo máximo, quando o auto for assinado pelo condutor e este for o proprietário do veículo, bem como constar o prazo para apresentação da defesa, conforme artigo 280, inciso VI, do CTB, e artigo 3º, § 5º, da Resolução n. 918/22; e
III) até há pouco tempo, não havia prazo máximo para a expedição da segunda notificação, isto é, da penalidade (multa propriamente dita), desde que não tivesse ocorrido o prazo prescricional da ação punitiva, que é de cinco anos, sendo também aplicável a prescrição intercorrente, que se dá em três anos, nos termos da Lei n. 9.873/99; entretanto, com as alterações das Leis n. 14.071/20 e 14.229/21, o artigo 282 passou a prever prazo máximo de 180 dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 dias.
O § 2º foi acrescido pela Lei n. 14.304/22, a qual pretendia “vedar a divulgação, a publicação ou a disseminação, em redes sociais ou em quaisquer outros meios de divulgação digitais, eletrônicos ou impressos, do registro visual da prática de infração que coloque em risco a segurança no trânsito”, mas foi praticamente toda vetada pelo Presidente da República, restando, tão somente a alteração do artigo 281. Sua previsão acabou inovando na nomenclatura dada à NOTIFICAÇÃO DE INSTAURAÇÃO do processo administrativo destinado às penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação, utilizando o termo NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO também para estes processos (o que, até então, era utilizado somente no processo de multa).
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano desde 1996; Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito desde 2019; Assessor da Associação Nacional dos Detrans desde 2021; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 281
Capítulo XVIII - DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
§ 1º O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 14.304, de 2022)