CTB Digital

CTB Digital

Comentário

Assim como ocorre com o artigo 302, que prevê o crime de trânsito de “homicídio culposo”, para compreensão da infração penal descrita no artigo 303, faz-se necessária a compreensão de dois dispositivos legais do Código Penal: o artigo 129, que nos explica o que é “lesão corporal” e o artigo 18, inciso II, que versa sobre a modalidade culposa da conduta criminosa.

Desta forma, comete o crime do artigo 303 o condutor de veículo automotor que ofende a integridade corporal ou a saúde de outra pessoa, por imprudência, negligência ou imperícia (ou seja, sem a intenção de produzir o resultado).

Caso a lesão corporal tenha sido proposital, com a intenção de que ela ocorresse ou tendo assumido o risco de tal condição, responderá o agente pela lesão corporal dolosa, constante do artigo 129 do Código Penal, o qual ainda estabelece, num total de onze parágrafos, várias questões particulares para a lesão corporal praticada em outras circunstâncias, como pena maior para a lesão corporal grave (§§ 1º e 2º) ou lesão corporal seguida de morte (§ 3º), casos de diminuição de pena (§ 4º) ou substituição de pena (§ 5º).

Estranhamente, a pena estabelecida para a lesão corporal culposa (não intencional), no trânsito, de seis meses a dois anos, é superior à pena decorrente da lesão corporal dolosa (intencional), de natureza leve, que é de detenção de três meses a um ano. Isto significa que se, por exemplo, um motorista atropela e fere alguém, terá uma punição menor se tiver praticado a conduta com a clara intenção de fazê-lo, posto que, neste caso, responderá criminalmente, com base no Código Penal e não no Código de Trânsito.

Sobre a sanção complementar aplicável ao artigo 303, destaca-se que a suspensão ou proibição de se obter a habilitação trata-se de pena de natureza criminal, aplicada pelo juiz, de dois meses a cinco anos, nos termos dos artigos 292 a 296 do CTB.

Existem quatro causas de aumento de pena, previstas para o homicídio culposo e aplicáveis também à lesão corporal: “não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação”; “praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada”; “deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente”; e “no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros”.

Conforme comentários ao artigo 302, principalmente quanto ao dolo eventual e concurso material de crimes, importante consignar que, no caso da lesão corporal, num primeiro momento, por incrível que pareça, não há qualquer recrudescimento para a conduta intencional (dolosa), pois o artigo 129 do CP tem pena MENOR do que o artigo 303 do CTB (na lesão dolosa, detenção de três meses a um ano e, na lesão culposa, seis meses a dois anos).

Entretanto, a lesão culposa não possui qualquer gradação (grave ou gravíssima), pois esta classificação só existe no Direito penal, exatamente nos parágrafos do artigo 129 do CP, relativos à lesão DOLOSA; isto significa que, para alguém responder por lesão grave ou gravíssima, incurso no artigo 303 do CTB, deverá ser ‘emprestada’ a conceituação penal, relacionada ao crime doloso.

Neste aspecto, lesão grave será aquela que resulta: I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou IV – aceleração de parto (§ 1º do artigo 129 do CP); enquanto que a lesão gravíssima é a que resulta: I – Incapacidade permanente para o trabalho; II – enfermidade incurável; III – perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; ou V – aborto (§ 2º do artigo 129 do CP).

O curioso é que, sendo culposa e com tais consequências, o novo § 2º do artigo 303 estabelece pena de reclusão de 2 a 5 anos, sendo que, SE FOSSE considerada como dolosa, no caso da lesão grave, a pena seria de reclusão de 1 a 5 anos e, no caso da gravíssima, de 2 a 8 anos.

Isto significa que, por não mais ser possível a tese do dolo eventual, o motorista embriagado que causa lesões gravíssimas em alguém passará a ter uma pena MENOR do que seria possível, se fosse aplicado o artigo 129, § 2º, do Código Penal.

 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

Autor:

    Os comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Empresa.

    É estritamente proibido o uso e/ou publicação desse material, em qualquer meio, sem permissão expressa e escrita do autor do comentário.

Art. 303

Capítulo XIX - DOS CRIMES DE TRÂNSITO

Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º  (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014 e renumerado para § 1º pela Lei nº 13.546, de 2017) 

§ 2º A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima. (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017)
 
AS IMAGENS EXIBIDAS SÃO MERAMENTE ILUSTRATIVAS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. ATUALIZADO EM: 20/09/2017. POWERED BY TOTALIZE INTERNET STUDIO.  Site map