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Comentário

    A omissão de socorro no trânsito ocorre quando alguém deixa de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente (quando, por exemplo, tiver um risco à sua própria integridade física), deixar de solicitar auxílio da autoridade pública; em outras palavras, não se exige que um condutor coloque a vítima em seu próprio veículo, para levar ao hospital (aliás, isto é até perigoso), mas o que não pode ocorrer é uma total inércia daquele que tem a obrigação legal de tomar atitude.
    Para que se configure o crime do artigo 304, há a necessidade de que estejam presentes os seguintes requisitos:
1º) seja uma ocorrência de trânsito com vítima (morte ou lesões corporais), sendo irrelevante a existência ou não de danos materiais.
    Interessante notar que o parágrafo único estabelece que caracteriza o crime, ainda que a omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves; ambas as situações são questionáveis juridicamente, em casos concretos, a primeira porque não é lógico supor que alguém tenha que “competir” com outros que estejam próximos da ocorrência (às vezes, até em condições melhores de prestação de socorro), para que não seja responsabilizado pelo fato de sua omissão ter sido suprida por terceiros; no segundo caso, embora o objetivo tenha sido afastar a decisão de não socorro por um condutor mediano, sem conhecimento a respeito da real necessidade de atendimento à vítima, o fato é que, em uma morte instantânea (por exemplo, uma decapitação), a prestação de socorro é totalmente inócua, não havendo sentido punir-se a omissão.
2º) que aquele que se omitiu seja um condutor de veículo;
    Não comete o crime do artigo 304 alguém que esteja simplesmente passando pelo local da ocorrência, como transeunte, pois a tipificação prevê, expressamente, que o crime é cometido pelo condutor do veículo (qual veículo? Aquele que tenha se envolvido diretamente no fato, como se verá a seguir); todavia, é possível que um pedestre que não tenha dado qualquer apoio a uma vítima do trânsito seja enquadrado no crime do artigo 135 do Código Penal: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”.
3º) que o condutor tenha se envolvido, de alguma forma, na ocorrência;
    A participação na ocorrência fica latente no seguinte trecho da redação do artigo 304: “por ocasião do acidente”, além do fato de que, para os envolvidos, a prestação do socorro surge como decorrência natural de seu envolvimento, não havendo nem mesmo a necessidade de que isto seja solicitado por outra pessoa, nem mesmo um agente público; isto significa que, se o condutor de um veículo esteja apenas passando pelo local e se omite, a única punição possível também é a do artigo 135, anteriormente descrito. 
4º) que não seja o causador da morte e/ou lesão;
    O crime do artigo 304 é subsidiário, o que é previsto na própria pena a ele aplicável, em sua parte final (“se o fato não constituir elemento de crime mais grave”); isto é, somente responde pelo crime de omissão de socorro, de maneira isolada, o condutor que não deu causa à vítima de trânsito, já que, sendo o autor do homicídio ou da lesão corporal, a omissão caracterizará uma causa de aumento de pena (artigo 302, parágrafo único, inciso III; e 303, parágrafo único), não podendo ser duplamente motivo de punição, o que caracterizaria o chamado bis in idem (punição dupla pelo mesmo motivo), proibido pelo ordenamento jurídico. 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

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Art. 304

Capítulo XIX - DOS CRIMES DE TRÂNSITO

Deixar o condutor do veículo, na ocasião do sinistro, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.
 

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