Comentário
Apesar de serem questionáveis, do ponto de vista da teoria de tripartição de poderes e sob o aspecto do princípio da reserva legal (para maiores esclarecimentos, leia o artigo “Legislação de trânsito - Competências e incompetências”), as Resoluções do Contran constituem a maior parte da legislação de trânsito em vigor.
O prazo para que estas Resoluções fossem expedidas, como prevê o artigo 314, era de 240 dias a partir da publicação do Código de Trânsito (23/09/97), mas, até o presente momento, existem dispositivos do CTB não regulamentados, como, por exemplo, o artigo 54, inciso III (“Os condutores de motocicletas, motonetas e ciclomotores só poderão circular nas vias ... usando vestuário de proteção, de acordo com as especificações do CONTRAN”), o que pode acarretar, para o Conselho Nacional, responsabilidade objetiva por sua omissão, quando houver prejuízo aos cidadãos (conforme estabelece o artigo 1º, § 3º).
Isto não significa, por outro lado, que Resoluções expedidas após este prazo, não tenham valor, posto que as mudanças sociais, as inovações tecnológicas e as exigências de adaptações à evolução automotiva requerem um acompanhamento das normas legais, motivo pelo qual a atividade normativa do Contran perdure mesmo após decorrido o prazo estipulado.
De igual forma, não houve uma revisão expressa das Resoluções anteriores à sua publicação, de forma a reeditá-las, em consonância com o atual Código de Trânsito. O único trabalho divulgado pelo Conselho Nacional, neste sentido, foi a edição da obra “100 anos de legislação de trânsito no Brasil”, lançada em 2010, por meio da qual se relacionou todas as Resoluções antigas que ainda continuavam (naquele ano) a ter validade, por não conflitarem com o Código; fora isso, o trabalho de atualização se dá apenas com o acompanhamento constante das normas que vão sendo publicadas (infelizmente, cada vez em ritmo maior).
Cabe ressaltar que, em 10ABR19, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2998, decidiu pela INTERPRETAÇÃO CONFORME do parágrafo único do artigo 161 e pela INCONSTITUCIONALIDADE de parte do caput (publicada em 24ABR19).
Esta decisão possui dois impactos IMPORTANTÍSSIMOS:
1º) A inconstitucionalidade do caput do artigo 161, decidida pelo STF, refere-se ao trecho “ou das resoluções do CONTRAN”, que, doravante, passa a ser entendido como nulo; ou seja, se alguém DESCUMPRIR UMA RESOLUÇÃO DO CONTRAN, isto não será infração de trânsito; e
2º) A “interpretação conforme” dada pelo STF ao parágrafo único do artigo 161 significa que as Resoluções podem continuar definindo quais são as penalidades e medidas administrativas aplicáveis ao descumprimento de seus preceitos, DESDE QUE ELAS JÁ ESTEJAM PREVISTAS NO CTB, não podendo criar NOVAS SANÇÕES.
Infelizmente, não houve esclarecimento maior do STF acerca de dois pontos cruciais, sobre a inconstitucionalidade do trecho do caput do artigo 161, que menciona as Resoluções do CONTRAN:
1º) se a decisão se aplica desde que o CTB entrou em vigor (efeito ex tunc) ou a partir da publicação do Acórdão (efeito ex nunc); e
2º) se atinge apenas os casos em que o CONTRAN inovou, tratando de um tema não abordado pela Lei federal (CTB) ou também àqueles em que o CONTRAN recebeu a delegação do Poder Legislativo para complementar sua ação normativa (o que, apesar de muito comum, também estaria irregular, frente ao artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88: “Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa”).
A dúvida acerca destes dois aspectos somente poderia ser solucionada via interposição, pela União, de embargos de declaração, mas, infelizmente, não consta que tal tenha ocorrido, na consulta à movimentação do processo, no site do Supremo Tribunal Federal (http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2169567).
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 314
Capítulo XX - DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
O Contran tem prazo de 240 (duzentos e quarenta) dias a partir da publicação deste Código para expedir as resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como para revisar todas as resoluções anteriores à sua publicação, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o número de sinistros e a assegurar a proteção de pedestres.
Parágrafo único. As resoluções do CONTRAN, existentes até a data de publicação deste Código, continuam em vigor naquilo em que não conflitem com ele.